No domingo (06/11), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deram a largada para a disputa da sucessão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A maioria dos ministros entendeu que Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) não poderão concorrer à reeleição.
No caso de Maia, a decisão do STF marca o fim de uma era: o político nascido no Chile e criado no Rio de Janeiro está à frente da Câmara há três mandatos, desde junho de 2016, e comandou a votação de algumas das principais medidas legislativas do país nos últimos anos.
Foi sob a batuta de Maia que a Câmara aprovou a emenda constitucional do teto de gastos (2016), e as reformas trabalhista (2017) e da previdência (2019), entre outras.
Além da carreira do próprio Maia, a decisão tem potencial para impactar a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, e os dois anos restantes de governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
O posto de presidente da Câmara é estratégico para qualquer governo: é ele que decide quais projetos serão votados ou se permanecerão na gaveta.
Além disso, o presidente da Casa Baixa do Legislativo é quem tem o poder de dar início a um projeto de impeachment contra o presidente da República.
Mobilização dos partidos
Embora as eleições para o comando da Câmara e do Senado sejam apenas no dia 1º de fevereiro, os partidos estão se mobilizando em torno do assunto.
Nesta terça-feira (08/12), DEM, PSDB, MDB, Cidadania e PV devem anunciar a formação de um bloco para a disputa — outros partidos, como o Podemos e o PSL, podem se juntar ao grupo, que ainda não fechou apoio a um candidato.
Já o PT, maior partido da oposição na Câmara, com 54 deputados, deve reunir sua Executiva Nacional nos próximos dias para tratar do assunto — e a tendência é que o partido não apresente um candidato próprio.
Esta reportagem da BBC News Brasil responde a três perguntas sobre o fim da "era Maia" na Câmara: quais são cenários possíveis com o carioca fora do caminho; o quê exatamente o STF decidiu sobre o assunto; e o que representou a Presidência de Maia.
Quais são os cenários possíveis sem Maia?
Dentro da Câmara, há dois grupos principais se articulando para disputar a sucessão de Maia: um é comandado pelo próprio Rodrigo, formado por partidos de centro-direita como PSDB, DEM e MDB; e outro é o do Centrão, que hoje apoia o governo de Jair Bolsonaro.
Já a oposição, formada por partidos de esquerda como o PT, o PDT e o PSB, ainda não decidiu quem vai apoiar. A tendência é que estes partidos negociem apoio a um candidato de um dos dois grupos acima.
O grupo de Rodrigo Maia deve decidir um candidato ainda esta semana. Estão na disputa deputados como o líder do MDB, Baleia Rossi; e o atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira.
Do lado do Centrão e de Bolsonaro, o candidato é o deputado Arthur Lira (PP-AL), que inclusive vai com frequência ao Palácio do Planalto conversar com o presidente da República.
A cientista política Beatriz Rey estuda o Legislativo brasileiro e o de outros países da América Latina. Atualmente, ela é pesquisadora associada ao Centro de Estudos Latinos e Latinoamericanos (CLALS) da American University, em Washington (EUA).
Em sua pesquisa, Rey mostra que houve uma mudança no perfil da Câmara dos Deputados nos últimos anos — a Casa deixou de ser uma mera "carimbadora" dos projetos vindos do Executivo e passou a ter papel ativo na definição dos rumos políticos do país.
Mesmo que Bolsonaro consiga emplacar um aliado na cadeira de Rodrigo Maia, diz a pesquisadora, esta mudança de perfil da Câmara deve continuar.
"A Câmara tem se mostrado bem mais ativa desde o começo dos anos 2000. E esse processo de ativismo se acentuou bastante durante o governo Bolsonaro. Então, eu acho que mesmo com um presidente da Câmara aliado ao governo, a Câmara ainda vai seguir esse padrão de ativismo, e talvez dificulte, é provável que dificulte, a aprovação de outras medidas da agenda do presidente que não sejam as econômicas", diz ela.
Segundo Rey, a situação pode se complicar para Bolsonaro caso ele não consiga colocar um aliado na Presidência da Câmara.
"Isso pode acontecer. Acho provável que aconteça, porque o presidente saiu enfraquecido das eleições municipais recentes", diz ela.
"Nem o próprio Maia optou por iniciar um processo de impeachment contra o Bolsonaro. Hoje, pensando no cenário de agora, no final do ano (de 2020), acho pouco provável que qualquer presidente da Câmara comece um processo de impeachment."
"Teoricamente, a única possibilidade de impeachment hoje é se a gente tivesse um presidente da Câmara que representasse os partidos mais de esquerda. Mas é difícil dizer como esta situação vai se desdobrar no ano que vem. Acho que a situação econômica do país vai se deteriorar bastante em 2021, e isso pode fazer com que o impeachment se torne uma opção mais viável para o novo presidente da Câmara, especialmente se ele não for aliado de Bolsonaro", diz a pesquisadora.
O que representou a Presidência de Rodrigo Maia?
Nascido em Santiago do Chile e criado no Rio de Janeiro, Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia completou 50 anos de idade em junho de 2020 — o que faz dele um político relativamente jovem.
Maia, no entanto, tem um currículo extenso em Brasília: já está no sexto mandato como deputado federal, cargo que exerce desde 1999.
O carioca chegou à Presidência da Câmara em junho de 2016, depois que o então ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki decidiu afastar o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, sob acusação de envolvimento com o esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.
Nos primeiros anos como presidente da Câmara, Maia colaborou com o ex-presidente Michel Temer (MDB), que também era um político de centro-direita.
Os dois convergiam em muitos temas e trabalharam juntos para aprovar medidas como a PEC do Teto de Gastos, que limita as despesas do governo.
Se com Temer a relação era boa, o mesmo não se pode dizer de Jair Bolsonaro — e de seu governo.
Maia teve uma relação marcada por conflitos com o atual chefe do Executivo, apesar de ter declarado voto em Bolsonaro em 2018.
Nos primeiros dois anos de mandato, foram várias as provocações de Bolsonaro contra Maia, e vice-versa.
Em março de 2019, por exemplo, Bolsonaro disse que Maia estava "abalado com coisas da vida pessoal", dias depois da prisão do ex-ministro Moreira Franco — que era casado com a sogra de Maia.
Naquele dia, o presidente da Câmara respondeu na mesma moeda e disse que Bolsonaro estava "brincando de presidir o Brasil".
Questões como o meio ambiente e a pandemia da covid-19 também provocaram momentos de tensão entre Maia e Bolsonaro.
Em novembro deste ano, Maia criticou uma fala de Bolsonaro sobre a pandemia. O presidente disse que o Brasil precisava deixar de ser um "país de maricas". Maia retrucou, lembrando que o Brasil já tinha mais de 160 mil mortos pela covid-19.
Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar, o DIAP, Maia teve sucesso em emplacar uma agenda liberal na economia em seus anos à frente da Câmara.
"No plano macro, Maia manteve a independência da Câmara, manteve diálogo com a oposição e foi coerente com sua visão liberal e fiscal. Operacionalmente, foi efetivo nas pautas econômicas. Foi determinante para a aprovação da reforma da previdência e do Marco Legal do Saneamento (dezembro de 2019)", diz Antônio Augusto de Queiroz.
"No enfrentamento à covid também teve um papel fundamental. Foi por causa do empenho dele que foram aprovados o Orçamento de Guerra, o Auxílio Emergencial e o Plano Mansueto, de ajuda aos Estados e municípios, que perderam receitas durante a pandemia", diz o analista político.
O quê exatamente os ministros do STF decidiram?
No domingo, os ministros concluíram a votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) apresentada pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB.
O partido comandado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) pedia ao STF para que desse "interpretação conforme" ao Artigo 57 da Constituição de 1988, proibindo a reeleição para o comando da Câmara e do Senado, em qualquer hipótese.
O artigo mencionado pelo PTB é taxativo ao afirmar que não é possível a reeleição para o comando das duas casas do Legislativo. O texto diz que é "vedada a recondução para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente".
Mesmo assim, as duas Casas permitiam mais um mandato para seus presidentes, desde que na legislatura seguinte. Isto é, depois do deputado ou senador em questão ser reeleito pela população.
O ministro Marco Aurélio Mello foi o primeiro a votar contra a reeleição — agora, caberá a ele fazer o relatório final sobre o julgamento, definindo os limites da decisão do STF.
À BBC News Brasil, Marco Aurélio disse que deve proibir a reeleição até mesmo nos casos em que ela é permitida hoje.
"A Câmara viabilizava (a reeleição) (...), E eu concluí pela inconstitucionalidade do preceito. O que a Constituição, a meu ver, veda, e aí não distingue se está iniciando ou não uma legislatura", disse Marco Aurélio à BBC News Brasil, por telefone.
"O que eu entendi é que não pode, como está na Constituição... a Constituição se refere a ser 'reconduzido', na eleição subsequente, ao cargo. Isso implica vedar a reeleição", esclarece o ministro.
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