O presidente Jair Bolsonaro aposta na recuperação da economia como grande trunfo para buscar a reeleição em 2022. A equipe econômica trabalha com a previsão de que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá entre 3% e 4% em 2021 e 2022. Por isso, o chefe do Executivo adotou o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, e defendeu que o crescimento está ocorrendo “em V”. “Os últimos dados são realmente fantásticos”, disse, na semana passada, o comandante do Planalto. A declaração ocorreu após o PIB registrar alta de 7,7% no terceiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice, porém, ficou abaixo das projetos do mercado, cuja expectativa, em média, era de alta de 8,8%, enquanto a própria equipe econômica previa elevação de 8,3%. Por isso, na contramão do que prega Bolsonaro e Guedes, especialistas alertam que o próximo ano começaria envolto em incertezas. Na opinião deles, haverá dificuldade para uma retomada mais robusta na economia, implicando na tomada de decisões firmes por parte do presidente.
A lista de problemas é vasta. A começar pela segunda onda da covid-19, que já tem levado a novos decretos de lockdown pelo mundo e também ameaça o Brasil. Apesar da expectativa do início da vacinação, ainda não se sabe em que ritmo ocorrerá a imunização. Outro entrave é o término, no fim deste mês, do auxílio emergencial, que vem socorrendo os trabalhadores informais e ajudando a puxar o PIB. Para amparar as famílias e não perder a popularidade turbinada pelo auxílio, o governo busca criar um programa social substituto, mas a ideia não avança porque não se encontra uma fonte de financiamento para bancá-lo.
Outra dúvida é sobre a capacidade do Executivo de aprovar a agenda de reformas, como a tributária, tida como uma das principais alavancas para acelerar o crescimento da economia, melhorando a competitividade das empresas. Há, ainda, a reforma administrativa; a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos a serem acionados no caso de descumprimento do teto de gastos; a dos Fundos Públicos, do Pacto Federativo e, mesmo, o Orçamento da União para 2021, tudo postergado em meio à disputa pela Presidência da Câmara. Para analistas, são fatores primordiais para acenar confiança ao mercado internacional e a investidores.
Gil Castello Branco, diretor-geral da Associação Contas Abertas, caracterizou a projeção de crescimento feito pela equipe econômica — em meio ao período nebuloso que se inicia em 2021 — como um “palpite”. Ele lembrou que o país findará o ano com crescimento de 97% de dívida pública, além de deficit fiscal próximo de R$ 1 trilhão.
“Assim como este ano foi atípico, não se sabe se no próximo poderemos ver novas restrições da pandemia. Esse crescimento de 7,7% do PIB no terceiro trimestre não deve se repetir nos seguintes, devido às incertezas. O governo sequer fixou uma meta fiscal para o ano que vem”, ressaltou. “Vai depender não só do comportamento da pandemia, mas da vacina o quanto antes e da celeridade na aprovação das propostas e das reformas. Isso trará uma visualização de que o governo poderá caminhar com austeridade e responsabilidade fiscal.”
Para não ver a popularidade desabar — analisa Castello Branco —, Bolsonaro deverá insistir em criar um programa com rótulo próprio ou aprimorar o já existente Bolsa Família. “Ele sabe que se não fizer um novo programa social, atendendo a esse segmento, sua apreciação vai cair. Como tem por objetivo a reeleição, vai procurar criar isso. Porém, está numa sinuca de bico. Por um lado, precisa do programa, mas por outro, está numa situação fiscal difícil e sem recursos, limitado pelo teto de gastos. Esse é um dos grandes desafios para 2021”, frisou.
Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), defende e diz que a possibilidade de a economia decolar aos níveis esperados por Bolsonaro, até 2022, dependerá de outras variáveis, como investimento privado, além do desempenho do setor primário. O consumo das famílias será fundamental para que a demanda de bens e serviços da economia possa aumentar e pressionar positivamente o investimento privado nos três setores da economia.
“Para que o consumo das famílias possa crescer é necessário que a oferta de emprego seja estimulada. O governo precisa adotar estratégias eficientes e eficazes para atrair o investimento e o consumo estrangeiros”, destacou. “O Brasil também dependerá do nível de crescimento dos países desenvolvidos, levando em conta a pandemia e outros problemas dela decorrentes, que podem contribuir negativa ou positivamente para a economia brasileira, a julgar pelos níveis de importação daqueles países e da sua disposição em investir no Brasil.”
Riscos
O economista-chefe da consultoria Necton, André Perfeito, estima a alta do PIB de 2021 em 2,8% e um mercado de trabalho deficitário. “É difícil fazer projeções mais otimistas. Estamos pendurados em eventos exógenos aos modelos anteriores. A ausência do auxílio emergencial, por exemplo, pode fazer a taxa de desemprego chegar a 25%”, disse.
De acordo com o analista, para tentar alcançar a meta estipulada, no ano que vem, o governo deverá assumir riscos. Até então, tem delegado ou transferido responsabilidades, segundo enfatizou. “O presidente precisa tomar decisões. Para o bem ou para o mal. Terá de assumir riscos. Não vai poder usar a estratégia que vem utilizando de não assumir posições”, afirmou. “A situação é crítica. Não adianta jogar para Guedes. Com o Congresso, também terá de alinhavar para conseguir, terá de se expor.”
Perfeito ressaltou que há mais perguntas que respostas. “Vai ter de decidir: vai continuar com auxílio? Vai fazer PEC Emergencial, não vai ter dinheiro para educação? É escolha dele. Agora, volta a discussão da questão da Presidência da Câmara no meio de uma briga de dois grupos de centrodireita. A eleição (aos comandos das Casas no Congresso) é em fevereiro. Até lá, não vai discutir nenhuma pauta relevante?”, questionou. “O ajuste que Guedes propõe é de longo prazo. É um cálculo político que Bolsonaro tem de tomar. Se quiser algo a curto prazo, o cálculo é outro.”
O PIB do último trimestre, com aumento de 7,7%, não foi suficiente para conter os problemas gerados na crise sanitária, enfatizou Perfeito. “Não mostrou velocidade surpreendente. A recuperação do Brasil tem menos cara de ‘V’ e mais cara de raiz quadrada. Os dados da indústria foram bons, mas se vê na margem que não tem estímulo muito forte. Na situação em que não se tem clareza da vacinação, não tem clareza para a área de serviços”, ponderou.
Newton Marques, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), criticou as projeções. “O governo e Guedes falam de recuperação em V, não é. Ele fala de otimismo, mas sendo realista, vai ter de baixar a bola. O crescimento será menor do que 3%. Um dado relevante é comparar o terceiro trimestre deste ano contra o do ano passado: houve uma queda de 3,9% em 12 meses”, afirmou. “Bolsonaro precisa governar e fazer com que Guedes assuma que o liberalismo não é mais a saída. Precisa de intervenção do Estado. Ou faz isso, ou vai sucumbir, sem ter força para se reeleger”, advertiu.
Diálogo
Já Rodrigo Augusto Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, disse que, embora haja sinais de uma melhora tímida na economia, Bolsonaro poderá enfrentar dificuldades na Câmara para aprovar as reformas de que necessita. “Dependendo de quem for o presidente da Câmara, pode trancar pautas. Qualquer reforma pode ficar parada, fazendo com que o ambiente político gere desconfiança entre acionistas e investidores, consequentemente, dificultando a reeleição de Bolsonaro.”
Prando destacou, ainda, que Bolsonaro deveria dar sinais de diálogo à comunidade internacional, substituindo os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e dos Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Ele poderia trocar o chanceler, acenando que o Brasil está menos ideológico e mais pragmático. Poderia trocar o ministro do Meio Ambiente para que outros países e investidores entendessem que o Brasil atacará a questão das queimadas e do desmatamento”, justificou. “Pode construir pontes com os Estados Unidos. Poderia tomar várias ações que levariam a uma melhora substancial do clima político, o que impacta nas questões econômicas. Se Bolsonaro ficar contando com melhora da economia, crescimento econômico e manutenção de um auxílio emergencial, ainda que custe endividamento maior das contas públicas, pode se dar mal.”
O especialista também defendeu que Bolsonaro precisa assumir o comando, de fato. “A saída é tentar governar. Colocar questões ideológicas de lado, ou as dificuldades serão muito grandes. Precisa liderar. Nesses dois anos, deixou a desejar. Se mudar a postura, tem condições de reverter a situação e melhorar o clima político, impactando positivamente na economia”, avaliou.
Disputa acirrada
A corrida pela Presidência da Câmara opõe dois grupos. Líder do PP e do Centrão, Arthur Lira busca o cargo, enquanto o atual mandatário da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenta fazer seu sucessor, ou até mesmo a reeleição,se o Supremo Tribunal Federal permitir — a Corte está julgando o tema. Devido à queda de braço entre os dois parlamentares, o Centrão passou a obstruir as votações no plenário, em outubro. O bloco suspendeu as obstrução em 18 de novembro, mas, de lá para cá, poucas matérias relevantes foram aprovadas.
Assim como este ano foi atípico, não se sabe se no próximo poderemos ver novas restrições
da pandemia. Esse crescimento de 7,7% do PIB no terceiro trimestre não deve se repetir nos seguintes, devido às incertezas. O governo sequer fixou uma meta fiscal para o ano que vem”
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