Com o enfraquecimento do PT, que não venceu em nenhuma das capitais que disputou prefeitura no pleito deste ano, e com a perda de substância do discurso radical dos representantes do bolsonarismo, cujos candidatos amargaram derrotas nas urnas nas releições municipais, o centro desponta como alternativa aos extremos para a corrida eleitoral de 2022. Neste cenário, o DEM, partido que já detém os comandos da Câmara e do Senado, volta a se apresentar como um ator de peso para a escolha do próximo presidente da República. O PSDB, com a vitória de Bruno Covas, em São Paulo, também fica em boa posição para o próximo pleito — sobretudo, porque faz dobradinha com o Palácio dos Bandeirantes, onde está o governador João Doria. E o MDB, apesar da redução no número de prefeituras de 2016 para 2020 –– de 1.035 para 784 ––, continua sendo o partido que tem mais municípios sob sua gestão.
Dessa forma, cria-se a expectativa de que os três partidos de centro/centro-direita formem uma coalização para a próxima eleição. Mas, antes mesmo de essa frente ser formada, um problema salta aos olhos: qual será o nome capaz de agregar esses partidos e ser turbinados pelo patrimônio de votos obtidos em novembro?
Além de Doria, o apresentador de tevê Luciano Huck vem se movimentando para viabilizar uma pré-candidatura. E, neste xadrez, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), que se apresentou como pré-candidato do DEM em 2018, tem papel importante, sobretudo como principal articulador da eleição de Eduardo Paes à prefeitura do Rio de Janeiro, que derrotou de forma fragorosa o bolsonarismo personificado em Marcelo Crivella.
“Claro que o resultado da eleição tem mensagens. Em 2000, a Marta Suplicy ganhou a eleição (à prefeitura de São Paulo) e isso deu a mensagem de que o (ex-presidente) Lula vinha forte em 2002. Então, para o governo, o resultado da eleição mandou uma mensagem, que o centro virá forte em 2022”, avisou Maia. Ele ainda mandou um conselho ao presidente Jair Bolsonaro:
“Cabe, agora, ao governo organizar qual é o campo que vai atuar. Vai continuar com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, estragando a imagem do Brasil no exterior? Ou vai caminhar para o centro-direita para tentar tirar um pouco do nosso espaço?”, apontou Maia, que confirmou que Doria como um nome competitivo entre os partidos de centro, mas não excluiu Huck.
Nome nacional
Porém, a escolha de um nome de convergência não esbarraria apenas na pretensão de cada um, mas na penetração que tem nas regiões do país –– que, se não for forte o suficiente, é capaz de inviabilizar qualquer voo mais alto. No caso de Doria, pode ter dificuldades em ganhar espaço fora de São Paulo, principalmente no Nordeste. Após o resultado da eleição, ele, que vem se opondo publicamente ao governo federal, fez novas críticas a Bolsonaro.
“Os extremistas, aqueles que apostam na ficção, saíram derrotados nessas eleições. A população de todo o país, especialmente em São Paulo, deu um recado claro contra o negacionismo, o obscurantismo e a intolerância”, provocou Doria.
Já Huck tem até março do ano que vem para decidir se se lança na política. Na eleição de 2018, ele foi convencido pela família, em especial, a mulher e apresentadora Angélica, a se manter longe da vida eleitoral e partidária. Mas, nas últimas semanas, tem mostrado animação com as investidas e vem sendo sondado por partidos de centro, como o agora turbinado DEM. O apresentador tem um patrimônio invejável para qualquer postulante à Presidência: é conhecido em todo o país. E, no ar, não poupa críticas às desigualdades sociais e problemas enfrentados pela população, como a pandemia de coronavírus.
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, destaca que já existe uma briga por espaço. “Doria tem a pretensão de concorrer como cabeça de chapa. Huck quer concorrer na mesma condição. É algo que os partidos terão de resolver. O próprio ACM Neto (DEM, prefeito de Salvador e presidente do partido) vem dizendo que sua legenda é mais leve que o PSDB, que sofreu desgaste com o (deputado) Aécio (Neves). Assim como o MDB, que tem problemas de imagem desde a época da gestão Temer”, afirmou.
Fora do baralho
O ex-juiz Sergio Moro, que era visto como potencial candidato da centro-direita lavajatista para 2020, anunciou sua saída, ao menos por enquanto, do jogo político-eleitoral. Ao tornar-se sócio-diretor da Alvarez & Marsal, que presta serviços à Odebrecht, muda o rumo da carreira: atuará na área de compliance e combate à corrupção dentro da empreiteira-símbolo do petrolão. Ele mesmo fez o anúncio em suas redes sociais. O cientista político João Feres Júnior, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destaca que, “há algum tempo, Moro está se afastando, e diminuindo as chances de vencer uma eleição presidencial”.
“Ele pensou em ter um grande ganho político ao sair do governo, e não teve. Eu acredito que pode não sair para as eleições de 2022, assim como Huck. A fama costuma não se converter em votos no país. Doria é um político com tradição, e tem mais chances”, observou.
A decisão de Moro amplia o espaço para potenciais candidatos do espectro centrista, como Rodrigo Maia. “Acho que ele já está encaminhado no setor privado”, disse o presidente da Câmara, ao ser indagado sobre a saída do ex-juiz da raia eleitoral.
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Bolsonaro mais perto do abraço do Centrão
As eleições municipais deste ano deram indícios ao presidente Jair Bolsonaro de que ele precisa modificar as suas alianças caso queira continuar no poder depois de 2022. Além das derrotas da maioria dos candidatos a prefeito que apadrinhou nas capitais, o que alerta para uma diminuição da sua popularidade nas principais cidades do país, o enfraquecimento da esquerda e o êxito das legendas de centro-direita mostraram que, agora, ele tem um rival político capaz de conquistar parte do eleitorado conservador.
Diante disso, o presidente se vê na necessidade de renovar alguns vínculos partidários. A tendência, de acordo com interlocutores do governo, é de que Bolsonaro intensifique ainda mais a relação com o Centrão, o que ele já vinha fazendo desde abril deste ano, quando passou a abrir espaço na sua gestão para o grupo de partidos em troca de sobrevivência no Congresso. O entorno do presidente acredita que o bom desempenho das legendas que formam o grupo inorgânico de partidos, que elegeram quase 2,5 mil prefeitos no pleito deste ano, pode contribuir para a imagem de Bolsonaro em uma futura campanha pela reeleição.
Ao aumentar a relação de dependência com essas siglas, o presidente deve desistir de criar o Aliança pelo Brasil e se filiar a alguma legenda do Centrão. Esse movimento pode frear as pretensões de PSDB, DEM e MDB e dos eventuais candidatos desses partidos para 2022, como João Doria, Rodrigo Maia e Luciano Huck, e fortalecer o capital político de Bolsonaro, visto que ele teria uma base de apoio mais consolidada.
“Como candidato da extrema-direita, Bolsonaro depende do centro-direita para ter competitividade. E se a centro-direita já está se formando ao redor de um candidato, Bolsonaro precisa neutralizar isso. Uma ida ao PP, por exemplo, poderia ajudá-lo, visto que esse é um partido que tem boa relação com as demais siglas. A principal preocupação de Bolsonaro não deve ser a reorganização do campo progressista, mas a organização e o fortalecimento desse campo de centro-direita, que já não está mais com ele”, observa o professor de direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) Michael Mohallem.
Má notícia
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ricardo Ismael reforça que uma candidatura de centro-direita robusta deve servir de motivo de preocupação para Bolsonaro, sobretudo porque essa vertente política quer apagar o vexame de 2018, quando candidatos como Geraldo Alckmin, Marina Silva e Álvaro Dias tiveram um desempenho pífio nas eleições presidenciais.
“O fortalecimento da centro-direita é uma notícia ruim para Bolsonaro. Se houver uma candidatura competitiva para 2022, o presidente vai ficar para trás. Dessa forma, ele vai ter de mudar a postura que adotou em 2018 e se aproximar dos partidos tradicionais, que, nos estados ,têm força suficiente para alavancar a sua candidatura”, analisa.
“A aproximação aos partidos do Centrão, que fizeram uma boa quantidade de votos nas eleições municipais, deve vir com a distribuição de cargos e uma negociação com as legendas para uma eventual reforma ministerial. De todo modo, tão importante quanto isso, Bolsonaro terá de centralizar o debate e moderar o discurso, evitando polarizações e conflitos”, completa o cientista político Enrico Monteiro, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical.