Na campanha para fazer Dilma Rousseff sua sucessora, em 2010, Luiz Inácio Lula da Silva, num comício em Joinville (SC), deixou claro o que pensava do Democratas quando disse que era preciso “extirpar” o partido da política brasileira. Dez anos se passaram, a ex-presidente sofreu um processo de impeachment, o ex-presidente passou uma temporada preso e o DEM deixou de ser uma espécie de escudeiro do PSDB para, hoje, poder aspirar a maiores voos na política nacional. Emergiu das urnas, domingo passado, ainda mais fortalecido, saltando de 266 para 459 prefeituras no primeiro turno — sendo três capitais (Curitiba, Salvador e Florianópolis), às quais pode se somar uma quarta (Rio de Janeiro).
Até o começo do ano integrante do Centrão no Congresso, o DEM corre em raia própria e chegou a ter três ministros no governo Bolsonaro — Luiz Henrique Mandetta diminuiu este rol para somente dois, Tereza Cristina (Agricultura) e Onyx Lorenzoni (Cidadania). Ainda que não seja a maior bancada no Congresso, com cinco senadores e 28 deputados, controla o senado com Davi Alcolumbre (AP) e a Câmara, com Rodrigo Maia (RJ). Mais: não abre mão de controlar a Comissão Mista do Orçamento por meio do deputado Elmar Nascimento (BA), com base num acordo fechado, no começo do ano, com o Centrão — que busca o apoio do Palácio do Planalto para emplacar Artur Lira (PP-AL) no cobiçado posto.
Enquanto a legenda se mostra como um dos principais destaques positivos desse pleito, o PSDB vem no sentido oposto, tendo perdido mais de 270 prefeituras. Ainda que os tucanos permaneçam com um número maior de cidades, o cenário que se apresenta é de um DEM com força suficiente para não depender dos tucanos.
Efeito da Lava-Jato
Cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Ricardo Ismael ressalta que o PSDB começou a perder força quando teve algumas figuras atingidas pela Operação Lava-Jato, enquanto o DEM se manteve equidistante desse escândalo. Ele lembra que o principal resultado disso foi o desempenho da candidatura presidencial de Geraldo Alckmin, em 2018, quando obteve 5% dos votos do país. Ecoava junto ao eleitor o desgaste do então senador Aécio Neves (MG), que, depois de disputar o segundo turno da disputa ao Palácio do Planalto e perder para Dilma, se viu tragado em denúncias de recebimento de propina.
Ismael salienta, porém, que apesar do encolhimento dos antigos parceiros de governo Fernando Henrique Cardoso, o DEM ainda não tem um nome para a disputa de 2022 –– em 2018, Rodrigo Maia postulou, mas retirou logo a pré-candidatura. Já os tucanos têm João Doria, governador de São Paulo. “Falta, hoje, ao DEM, uma figura nacional, mas ele tem espaço para negociar e vai ser disputado. Não vejo os dois (partidos) tão próximos, como nos anos 1990”, observou.
Para Ismael, é de grande importância para Doria ter o apoio do DEM, que é, inclusive, a legenda do vice-governador Rodrigo Garcia. “A chapa terá que ser muito negociada. O DEM está muito mais forte do que estava nos anos 1990, tem fichas e não precisa do PSDB. Diria que, em 2022, é a noiva que muitos querem”, disse.
Faltam nomes
Cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira afirma que a relação DEM-PSDB é muito particular e varia de estado para estado. Na eleição nacional, os tucanos possuem mais nomes capazes de pleitear a Presidência da República, enquanto o DEM não possui alguém, ainda que a legenda tenha ganhado musculatura com a vitória no primeiro turno municipal. Por isso, para ele, não é o caso de uma inversão do protagonismo nesta relação.
“Para chegar a esse ponto, o DEM teria que ter uma entrada forte no eixo Sul e Sudeste, que não tem. O DEM pode se fortalecer mais com a vitória (no Rio de Janeiro) do (Eduardo) Paes. Aí, ganha no sentido de negociar com mais força”, explicou. Apesar de a legenda, conforme o professor, não conseguir ter uma candidatura própria que seja viável para vencer uma eleição nacional, possui nomes que somam muito com outros, sobretudo com o PSDB. “Acho que o Doria está investindo nisso, está buscando isso”, estimou.
Para ele, é provável que o sucessor do governador de São Paulo, que deve disputar a Presidência, seja Rodrigo Garcia, e não alguém dos quadros do PSDB. Assim, o DEM podia entrar na chapa de Doria em troca do apoio dos tucanos para disputar o Palácio dos Bandeirantes. “Talvez seja mais interessante (ao DEM) vice na chapa de outro do que ser cabeça de chapa sem ter chances”, ressaltou.
Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que enquanto o DEM teve um resultado excepcional neste pleito, o PSDB ficou mais concentrado em São Paulo, ainda que não tenha ficado um partido menor. Ele afirma que os democratas vêm de um processo de reconquista de espaço, mas ainda não possuem nomes para projetos nacionais –– no caso dos tucanos, resta a Doria ser conhecido o suficiente no país para pleitear a Presidência. De qualquer forma, dessa vez os tucanos precisarão muito mais do DEM do que o contrário.
“O DEM não tem nome para ocupar cabeça de chapa, mas tem nomes fortes e tem um nome conhecido, o de Luiz Henrique Mandetta, conhecido nacionalmente”, afirmou, ainda que o ex-ministro da Saúde esteja distante da política nacional depois de ter saído do governo.