As eleições municipais, que serão realizadas no próximo domingo, garantem que a população eleja os políticos mais próximos do povo. Prefeitos e vereadores são os representantes diretamente ligados à vida prática dos brasileiros. E prova dessa importância é que as votações de 15 e 29 de novembro têm potencial para obrigar o presidente da República a redesenhar a Esplanada. Para especialistas, a expectativa de que o Centrão leve a maioria das prefeituras e, com isso, deve aumentar o poder de barganha do bloco junto ao governo. E, para manter a base, Bolsonaro deverá se preparar para ceder ministérios. Para completar, prefeitos eleitos nas grandes capitais, prometidas, até o momento, a partidos tradicionais, também obrigarão o presidente a mudar de tom nas negociações com legendas.
O Correio procurou especialistas para que fizessem leituras dos vindouros namoros e casamentos políticos de Bolsonaro, e como os futuros parceiros se posicionarão e influenciarão no xadrez da política nacional. Cientista político, sociólogo e escritor, Antonio Lavareda está entre os que veem nas eleições municipais o poder para redesenhar ministérios “em função do desempenho dos partidos que integram a base do governo. “Os partidos do Centrão devem crescer em termo de número de prefeituras, e os partidos menores, embora mais representativos do perfil do bolsonarismo que emergiu em 2018, não devem ter resultados expressivos. Até porque, com a saída do presidente do PSL, por exemplo, não há um partido de Bolsonaro”, avaliou.
Lavareda explica que, em um cenário em que Bolsonaro não desembarcasse do partido, o PSL tenderia a apresentar um bom desempenho. Em 2016, o partido fez 0,5% dos prefeitos e, em 2018, 10,5% da Câmara, número que impulsionaria a legenda nos municípios. Como isso não ocorreu, o PSL e o PRTB, mais sintonizados com a ala ideológica do governo, não terão grandes desempenhos. “Quem vai crescer deve ser PSD, MDB e, na base do governo, o PP. E é natural que partidos utilizem esse crescimento para aumentar a pressão que já fazem e conseguirem fatias maiores do governo”, detalhou.
Doutor em ciência política e professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael prega cautela sobre os efeitos da eleição na Esplanada. “A gente só vai ter um quadro completo ao final do primeiro turno e, talvez, do segundo. Aí, teremos um balanço sobre como as prefeituras se distribuirão e, principalmente, como estarão as 95 cidades com mais de 200 mil eleitores, que é o filé, e inclui São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, por exemplo”, elencou. “Agora, a onda bolsonarista de 2018 não está ausente, mas atenuada. Se pegarmos São Paulo e Rio, (Celso) Russomano e (Marcelo) Crivella terão dificuldade de chegar ao segundo turno. E o apoio de Bolsonaro não foi capaz de alavancá-los”, acrescentou.
“No plano nacional, tudo indica que as eleições municipais farão com que Bolsonaro consolide a tendência de buscar o Centrão como aliado. Dois componentes devem influenciar o presidente. Um externo, com Biden, na presidência dos Estados Unidos, e as eleições para a presidência da Câmara e do Senado devem abrir conversa para acomodar interesses do Centrão. Nas eleições municipais, Bolsonaro já não tem a mesma força de 2018 e há uma tendência de buscar os partidos do Centrão com mais prefeituras, e que possa fazer reforma ministerial para acomodar melhor essas legendas”, elencou Ricardo Ismael.
Peso das capitais
Analista político da consultoria Dharma, Creomar de Souza separa as eleições municipais em duas fatias: a das grandes capitais e a das prefeituras menores, porém numerosas. No primeiro caso, a projeção nacional e regional dessas cidades pode influenciar na relação de forças dentro do Congresso. E, se os candidatos são do Centrão, podem conseguir mais acesso a verba para obras públicas, dois anos depois, e o prefeito pode transferir aquela popularidade ao presidente da República, por exemplo. E Bolsonaro pode precisar disso, tendo em vista que o discurso de nova política e ruptura apresentado na campanha de 2018 não se confirmou.
Creomar destaca que, após a primavera conservadora do Brasil, a realidade se impôs. “Faltou habilidade a Bolsonaro. E essa falta de habilidade tem como consequência fundamental que o governo precisou se ajustar. E aí, talvez, estejamos no limiar de um processo em que as pessoas possam ter se chateado com essa lógica de ajuste. O fracasso de Bolsonaro gera um efeito e isso se encaixa nas eleições municipais, quando o presidente tem a cautela de não se envolver demais. Grava uns vídeos para alguns candidatos, principalmente menores. Mas não está no palanque. Em alguns casos, em grandes cidades, em que candidatos quiseram subir no palanque, ele não tem performado bem. O Russomano derrete e Crivella não parece viável. Isso gera dificuldades”, apontou.
Por último, como Ismael, Creomar adiciona ao esboço de uma nova Esplanada as cores da bandeira dos Estados Unidos e os contornos caóticos do Congresso. No primeiro caso, o analista pontua que a pressão será sobre o Ministério do Meio Ambiente, de Ricardo Salles, e o Itamaraty, de Ernesto Araújo, escolhidos da ala ideológica do governo. A expectativa é que Bolsonaro resista a trocá-los, mas terá de mudar a política exercida. “Na Câmara, tudo que o governo precisa é um presidente mais simpático. E, se conseguir, vai ter um rearranjo, e pode entregar cargo. Nas eleições americanas, o dilema é que, com a derrota do Trump, o governo vai ficar isolado do ponto de vista simbólico e de narrativa, pois a realidade entre Brasil e Estados Unidos é maior que a de Bolsonaro e Trump. Com Biden, a política externa pode sofrer muita pressão. Não sei se troca o ministro, mas vai ter de mudar a política. E no Meio Ambiente, teria de reinventá-la”, explicou.
Cargos ou favores
Mesmo que tenha dito que não se vai envolver nas eleições, Bolsonaro acabou cedendo. E terá de oferecer mais aos aliados novamente após os resultados das urnas. Quem aponta é o mestre em relações internacionais e professor da faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB) Aninho Mucundramo Irachande. “Querendo ou não, as eleições estão acontecendo e tem repercussão no governo. Há cerca de três meses, tivemos uma mexida no governo, que mudou o perfil em razão da sobrevivência do presidente. Ainda que ele não queira interferir, o conjunto de forças políticas que ele se aproximou para reorganizar o governo tem interesses e está interferindo e participando”, destacou.
Para Irachande, o avanço do Centrão sobre prefeituras trará repercussões para o governo. Até porque a presença do bloco no Executivo sempre ocorreu por meio de permutas. “Pode ser cargo ou favores. E, nesse sentido, qualquer oscilação por causa das eleições, ele permanecerá Centrão. O grande problema é o presidente, que tem o Centrão como colaborador, pois o bloco fisiológico vai trazer o resultado das eleições para dentro do governo. Perdendo ou ganhando, a repercussão está posta, e como Bolsonaro não tem outra saída para sobrevivência política, vai ter de aceitar a pauta”, expôs.
Nas eleições municipais, Bolsonaro já não tem a mesma força de 2018 e
há uma tendência de buscar os partidos do Centrão com mais prefeituras,
que possa fazer reforma ministerial para acomodar melhor essas legendas”
Ricardo Ismael,
doutor em ciência política