O monitoramento eletrônico de presos no Brasil teve um salto de 285% nos últimos cinco anos. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2015, pouco mais de 18 mil pessoas usavam tornozeleira em todo o país. Já em 2020, esse número chega a 51.897 mil detentos. Regulamentada em 2010, a tornozeleira eletrônica surgiu no Código Penal como forma de medida cautelar alternativa à prisão, quando a pessoa está respondendo o processo e ainda não foi condenada. À época, o equipamento seria uma alternativa para diminuir a superlotação das cadeias públicas.
A medida, contudo, não surtiu o efeito esperado no país, 10 anos depois de o monitoramento eletrônico ter entrado em vigor. Hoje, o Brasil detém a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 678 mil presos e deficit de 230 mil vagas. Mesmo assim, especialistas defendem o uso da tornozeleira eletrônica como forma de reduzir os custos do sistema carcerário. “Hoje, os presídios não cumprem o papel principal que é o da ressocialização, portanto, muitas vezes o monitoramento eletrônico para pessoas que ainda não foram condenadas é uma boa alternativa para baratear os custos”, explica o jurista e especialista em direito penal Acácio Miranda.
Segundo o levantamento mais recente, 87% dos presos em monitoramento no Brasil são homens. Além disso, pouco mais da metade (55%) é por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que um terço dos presos provisórios acaba não sendo condenado quando vai a julgamento, o que reforça a condição do Brasil como um dos países que mais encarceram seus cidadãos no mundo — a taxa é de 300 presos por 100 mil habitantes, ante média mundial de 144.
Estima-se que, com o uso do equipamento eletrônico, o Estado pode economizar até 70% do gasto por preso. Cada detento custa aos cofres públicos cerca de R$ 2 mil por mês, enquanto a tornozeleira eletrônica custa, em média, R$ 540 por mês. “Em termos de economia e de controle da população carcerária, essa é uma boa alternativa”, completa Miranda.
Lava-Jato
Apesar de estar previsto no Código Penal brasileiro desde o começo da década passada, o uso do monitoramento eletrônico ganhou notoriedade a partir de 2016, no auge da operação Lava-Jato. Tido como peça-chave das investigações, o doleiro Alberto Youssef foi um dos primeiros condenados pela força-tarefa de Curitiba a utilizar um equipamento do tipo.
Condenado a mais de 100 anos de prisão, Youssef assinou acordo de delação e ficou apenas três anos preso. Em novembro de 2016, ganhou o direito de cumprir prisão domiciliar com uso da tornozeleira. No entanto, o equipamento foi retirado cinco meses depois e, desde então, o ex-doleiro dedica parte do seu tempo a “fazer estudos do mercado financeiro” livremente, já que sua pena não inclui cursos nem serviços obrigatórios.
Na esteira de Youssef, a também doleira e primeira acusada a ser presa pela Lava-Jato, Nelma Kodama, que chegou a “ostentar” sua tornozeleira eletrônica enquanto calçava um sapato da marca de luxo Chanel em foto postada nas redes sociais. Adepta do Instagram, Kodama publicou em agosto do ano passado todo o processo de retirada da tornozeleira. Após o “tutorial”, ela levou uma reprimenda pública do juiz Danilo Pereira Junior, da Vara de Execuções Penas de Curitiba, que classificou a atitude como um “desserviço à sociedade brasileira”. De lá para cá, ao menos 30 condenados pela operação se beneficiaram do equipamento para deixar a prisão.
Para o advogado criminalista Rafael Paiva, existe um “seletismo” penal no Brasil, em que os mais ricos são privilegiados em detrimento dos demais. “O monitoramento seria uma alternativa à prisão, porém, o que vemos é uma seleção penal que o juiz faz para privilegiar os mais ricos”, afirma.
Em um dos casos envolvendo a operação Lava-Jato, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) foi acusado de “furar a fila” para conseguir uma tornozeleira em 2017. Na época, Loures estava preso em Goiás. No entanto, não havia equipamento disponível para que ele deixasse a prisão. A Secretaria de Segurança destinou a Loures, então, a tornozeleira que seria concedida a um outro homem, que continuou preso.
Loures ficou conhecido como o “deputado da mala” após ser filmado carregando o objeto com R$ 500 mil em propina da JBS, que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), seria destinada para o ex-presidente Michel Temer. “Nossa Justiça não tem dó de deixar preto e favelado na cadeia. Contudo, quando se depara com banqueiro, político ou empresário, o entendimento acaba sendo outro”, acusa o criminalista Rafael Paiva.
Exceção
No começo deste mês, o candidato a vereador em Aral Moreira (MS), Rafael Santana de Souza, o Rafael Chupim (MDB), pediu que sua tornozeleira eletrônica fosse retirada durante o período de campanha. O político é réu em um inquérito por supostamente ser integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC). Na alegação, o candidato afirmou que o aparelho está atrapalhando na corrida ao cargo público. A defesa argumentou que o horário do recolhimento noturno, de 19h às 5h, prejudicava a campanha do seu cliente.
Em despacho do último dia 6, a juíza Caroline Scofield Amaral, da 1ª Vara Federal de Ponta Porã, manteve o monitoramento eletrônico, mas liberou Chupim para ficar na rua, em campanha, até as 22h. Em locais sem sinal, ele tem autorização para se deslocar, mas deve comunicar o roteiro com antecedência à Justiça. O benefício foi estendido até 15 de novembro, data do primeiro turno das eleições municipais. Dois dias antes, ele será interrogado como réu na ação penal por integrar a organização criminosa.
O Correio questionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o número de candidatos que estão sob monitoramento eletrônico no pleito municipal deste ano. O órgão informou que não há levantamento.