VENDA

Lobista quer fazenda do DF como modelo de regularização fundiária de áreas da União

Evento transmitido ao vivo teve presença do filho do presidente Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, e da Secretaria do Patrimônio da União (SPU)

Sarah Teófilo
postado em 26/11/2020 10:04 / atualizado em 26/11/2020 13:04
 (crédito: Sarah Teófilo)
(crédito: Sarah Teófilo)

A Associação Brasileira de Produtores Rurais em Áreas da União (ABPRU), presidida pelo lobista Guilherme Magalhães da Cunha Costa, realizou um evento nessa quarta-feira (25/11) no qual reforçou o projeto de implementação de novo modelo de regularização fundiária em área de interesse específico na Fazenda Sálvia, no Distrito Federal. No evento, a 1ª Conferência Regional — Regularização Fundiária, em Sobradinho (DF), que contou com menos de 30 pessoas (além de outros participantes via videoconferência) e foi transmitido ao vivo pelo YouTube, estavam representantes da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Na regularização fundiária de áreas da União que estão ocupadas, mas não por população de baixa renda, normaliza-se a situação e, ao mesmo tempo, revertem-se recursos aos cofres públicos — como uma venda. A diferença no novo modelo é que após um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado com a SPU em julho, quem fará o processo de regularização será a própria associação interessada na área. Por meio desta “parceria público-privada”, o grupo fará o georreferenciamento, laudos ambientais, cadastramentos, e outras etapas. Ao final do processo, o valor gasto por eles será descontado no que pagarão pelas áreas à União.

Para isso, é preciso assinar um convênio para “troca de recurso”, visto que ACT não permite transferência financeira. No evento, Cunha, que é também ocupante de uma área da Fazenda desde 1979, onde diz atuar como produtor rural, entregou a minuta de convênio, que precisa ser assinada com a SPU. Em seguida, será necessário publicar uma portaria autorizando a associação a fazer o processo. “Então, nós estamos fazendo um investimento que seria de responsabilidade da União em troca de abater esse investimento no valor”, disse. Ele ressaltou que o que o leva ao ambiente é "perceber na pele a dificuldade que é regularizar uma área".

O acordo só é possível devido à Lei nº 14.011/20, sancionada em junho deste ano. Ela simplifica o processo de venda dos imóveis da União (que sejam sem utilidade à administração pública federal) e autoriza estados, municípios e iniciativa privada a firmarem contratos e convênios com a SPU para “executar ações de demarcação, de cadastramento, de avaliação, de venda e de fiscalização de áreas do patrimônio da União, assim como para o planejamento, a execução e a aprovação dos parcelamentos urbanos e rurais”.

A área da Fazenda Sálvia, próxima ao Plano Piloto, tem 276 glebas rurais, nove condomínios e 16 assentamentos rurais, em um total de 12 mil imóveis, e já foi alvo de muita disputa. A parceria entre associação e SPU foi assinada em 2019 mas, segundo Guilherme Cunha, é um processo de “amadurecimento”. Após o acordo assinado em julho, o modelo de regularização foi desenhado pela SPU e a associação, sendo que esta levantou os serviços necessários e estimou inclusive valores. No total, segundo ele, será gasto R$ 10,2 milhões com dinheiro dos ocupantes para a regularização. O valor será descontado do que deverá ser pago à União pelas áreas, cuja estimativa é de R$ 300 milhões.

A ideia é que a fazenda seja a primeira com implantação de regularização nesse modelo, e que isso seja replicado no resto do país. “Futuramente, as outras regularizações fundiárias vão poder aproveitar o que foi feito na Sálvia. A Sálvia é o estudo de caso”, disse Cunha. 

Ao Correio, Eduardo Bolsonaro, único parlamentar no local e que falou na conferência, ressaltou que a lei 14.011 permitiu que houvesse de concreto a parte da execução da regularização fundiária. "O que os técnicos estão debatendo principalmente é que cada regularização fundiária é de uma maneira. A rural é de um jeito, a urbana é de outro. Então, o que eles querem fazer aqui são várias 'fórmulas' de bolo para que sejam tidas como modelo", disse. 

Para o parlamentar, a aplicação do modelo padrão da Fazenda Sálvia dará agilidade ao processo no restante do país. "Com isso em mãos, qualquer pessoa saberia o passo a passo para regularizar a sua terra", afirmou. Na conferência, outras pessoas falaram, levantando modelos e discutindo a regularização fundiária nas áreas de interesse específico — ou seja, naquelas em que adquire-se a área da União.

“Dinheiro para dar de pau”

A intenção da SPU é observar o modelo a ser implantado na Fazenda Sálvia e pegar o exemplo do projeto piloto para expandir ao resto do país, como explicou o secretário da SPU, coronel Mauro Benedito Santana Filho. Eduardo Bolsonaro, ao falar, pontuou que tinha uma agenda com o presidente Jair Bolsonaro, mas abriu mão para cumprir o compromisso de estar no evento.

Sobre a regularização de áreas de interesse específico, Eduardo afirmou: “Não existe um consenso de quanto estamos falando, mas ninguém discorda que estamos falando de cifras superiores a R$ 1 trilhão. Aqui tem dinheiro para ‘dar de pau’, né, coronel? Quem sabe até resolvendo assuntos como esses não precisaríamos ter ido tão a fundo na reforma previdenciária, que custou praticamente o primeiro ano inteiro do governo Bolsonaro essa agenda dentro do Congresso Nacional”, afirmou.

O deputado falou sobre a demora para a União regularizar todos os imóveis do Brasil, pontuando a necessidade de um procedimento mais célere. “Criticam tanto Bolsonaro por não ter projetos, políticas sociais, e está aí mais um deles. Dar o título é mais que uma mera questão econômica; a gente está dando liberdade para as pessoas”, disse.

Amazônia Legal

Guilherme Cunha, que já foi presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), entidade de lobistas, disse que a ideia é que haja um modelo base que possa ser usado nas outras regiões, inclusive na Amazônia Legal. “Claro que vai ter que fazer uns ajustezinhos, porque cada caso é um caso”, disse.

Sobre o assunto, o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou que a proposta vai ao encontro da preservação do meio ambiente, alegando que com um responsável pela área, a legislação ambiental será mais cumprida. "Onde não há conflito, dá-se o procedimento mais célere, dá a presunção de boa-fé, regulariza aquela terra. Porque depois de décadas debatendo esse assunto, o que a gente tem: pessoas ocupando uma área em situação precária, sem poder vender aquela área, e o estado sem arrecadar e sem poder sequer fiscalizar", defendeu.

Preços

Segundo Cunha, a intenção do grupo é, ainda, criar e entregar ao governo o Sistema Nacional de Preços da Regularização Fundiária (Sinacref), na qual ficará o preço de cada área nas diversas regiões do país. “A autoridade pública vai saber quanto custa regularizar um hectare”, disse. O desenvolvimento seria feito, de acordo com ele, junto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que deverá estabelecer as normas do processo de regularização.

Grilagem

Questionado se esse tipo de modelo não incentiva a grilagem de terras, como ambientalistas apontam no caso da Amazônia Legal, Cunha afirmou que o “que incentiva a grilagem de terra é a informalidade”. “A pacificação no campo depende da formalização. Grilagem de terra existe quando não há responsabilização e nem um documento forte dizendo quem é o dono daquela terra. Isso, sim, incentiva a grilagem”, disse.

Para ele, o processo de formalização precisa evoluir. “Imagina na Amazônia você fazer [a regularização] presencial. Sai de uma cidade a outra é seis dias de canoa”, afirmou, frisando a importância de usar a tecnologia, como satélites ou drones. Essa questão também é criticada por ambientalistas, que apontam que regularização pro georreferenciamento não permite ver conflitos e grileiros.

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