O presidente Jair Bolsonaro defendeu, ontem, a política para o meio ambiente do seu governo, no segundo dia de reunião do G20, grupo formado pelas maiores economias do planeta. Sem citar as queimadas e o desmatamento no Brasil –– pelos quais vem sendo criticado pela comunidade internacional ––, ele garantiu que o país é um dos que mais protegem as áreas verdes e que mantêm o compromisso de preservação da Amazônia, do Pantanal e de todos os demais biomas que existem no território brasileiro.
Horas antes da reunião, Bolsonaro publicou um vídeo nas suas redes sociais dando a entender que se sente injustiçado pela comunidade internacional. A imagem, trecho da animação Inércia (2014), utilizado como meme na internet, mostra um gigante de pedra que luta para evitar a destruição de uma cidade por uma grande rocha que rola de uma montanha. Na referência, o presidente seria o gigante, segurando os problemas do país, simbolizados pela pedra.
A criatura consegue evitar que a rocha esmague uma vila ao pé do morro, mas derruba uma das construções com o calcanhar. Os moradores da cidade, então, passam a atacá-lo. Indignado, o gigante solta a pedra, que passa por cima das construções da animação. O vídeo é uma analogia às críticas que Bolsonaro vem sofrendo pela sua política ambiental.
Tanto é que, durante o discurso no G20, Bolsonaro afirmou que tem sofrido ataques “injustificados” de países “menos competitivos e sustentáveis” na área ambiental. Segundo o presidente, a produção agrícola no Brasil é realizada “utilizando apenas 8% das terras” e com menos de 3% de emissão de carbono. “Mais de 60% do território ainda se encontram preservados com vegetação nativa”, salientou.
“Tenho orgulho de apresentar esses números e reafirmar que trabalharemos sempre para manter esse elevado nível de preservação, bem como para repelir ataques injustificados proferidos por nações menos competitivas e menos sustentáveis”, alfinetou.
O presidente emendou, em discurso previamente gravado, que o Brasil, “país resiliente”, possui a matriz energética mais limpa entre os países do grupo, mas não falou em momento algum sobre os altos índices de queimadas no país. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o índice de queimadas na Amazônia nos primeiros 10 meses de 2020 já estava acima dos valores registrados em todo o ano passado. Foram 89.734 focos de incêndio na região até então, contra 89.176 ao longo de todo o ano de 2019.
“Frases demagógicas”
Bolsonaro declarou, também, que as ações para preservação são “fatos” e não “frases demagógicas”. “O que apresento, aqui, são fatos, e não narrativas. São dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate público”.
Citou, ainda, um trecho do Hino Nacional, em referência à magnitude das florestas do Brasil. “O hino de meu país diz que o Brasil é gigante pela própria natureza. Estejam certos de que nada mudará isso”.
No último dia 19, após prometer que revelaria os nomes de países que atuam como “receptadores” de madeira ilegal que sai do Brasil, o presidente recuou. Em vez de países, disse que o governo tem “nomes de empresas” que comprariam produtos irregulares, mas, novamente, não disse quais são.
O presidente se disse ciente de que os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental. E ressaltou que o Brasil passou da condição de importador de alimentos para o patamar de um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, alimentando um bilhão e meio de pessoas, garantindo segurança alimentar de diversos países.
Situação diversa
Ao avaliar o discurso de Bolsonaro no G20, Denis Rivas, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), disse ser “lastimável porque desconsidera o descontrole sobre as queimadas, o desmatamento na Amazônia, Pantanal e Cerrado”. Ele observa que o mundo espera do presidente um plano confiável de combate ao desmatamento e às queimadas.
Já Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), reforça que é importante lembrar que 44% das emissões de gases de efeito estufa estão associadas ao desmatamento de mata nativa. “Se o Brasil quiser contribuir para redução dos gases, tem que combater o desmatamento, principalmente na Amazônia. Não adianta mostrar agricultura brasileira como vitrine”, disse.
Carlos Ritl, ambientalista brasileiro, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha, sustentou que “o desmatamento na Amazônia é quase o dobro de dois anos atrás e a violência contra povos indígenas explodiu”. Para Marcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Bolsonaro “usa o estoque gigante de biodiversidade de que o Brasil ainda dispõe para justificar a sua destruição”.
O coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e MapBiomas, Tasso Azevedo, salienta que o Brasil, de fato, emite de 3% a 4% das emissões globais de gases de efeito estufa. No entanto, o país não chega a 3% do PIB Global. Sobre a área de preservação, explica que o Brasil possui 67% do seu território com vegetação nativa, mas isso que não quer dizer que essa vegetação esteja 100% preservada. “Pelo menos um terço da vegetação que existe hoje já foi desmatada pelo menos uma vez, e já foi degradada por fogo ou extração ilegal de madeira”, explicou.
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