O direito ao voto para as mulheres, no mundo, só foi adquirido com muita luta e, atualmente, se vê uma mulher negra eleita vice-presidente dos Estados Unidos: Kamala Harris. No Brasil, anos de esforços culminam, hoje, em uma eleição com a maior proporção de candidatas nas urnas. Ainda que seja de 33,4%, ultrapassando, por pouco, o número exigido de 30% da cota determinada pela Lei das Eleições, de 1997, é o maior número da história. Analistas políticas consultadas pelo Correio avaliam que, além do aumento de nomes nas urnas, neste ano, haverá, efetivamente, mais mulheres eleitas, em especial nas capitais.
Muitas campanhas no país tentam incentivar o voto em mulheres, que representam 52,5% do eleitorado. Um dos trabalhos nessa direção é o projeto A Tenda das Candidatas, do qual integra a pesquisadora Hannah Maruci, do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô), da Universidade de São Paulo (USP). O projeto dá “aulões” de formação política para mulheres. Neste ano, acompanha o processo de 10 candidatas no país, dando toda a assistência necessária de forma voluntária.
Mestre em ciência política pela USP, Maruci ressalta que ocorre devagar o aumento da proporção de mulheres nos pleitos e que o crescimento, neste ano, representa uma conquista — triunfo esse que, segundo ela, deve se estender ao resultado das urnas. Para a pesquisadora, isso será reflexo de mais iniciativas que buscam fortalecer a candidatura feminina, além de uma maior conscientização no país, com mais cidadãs cientes dos seus direitos.
“Acho que teremos um aumento, mas acredito que não será muito grande. Tenho acompanhado essas candidaturas e vejo que os partidos continuam negligenciando depois que as mulheres entram na chapa”, explica Maruci. De acordo com ela, em termos de financiamento, ainda que haja uma quantidade mínima exigida a ser aplicada (30% do fundo eleitoral e do partidário, decisão aplicada desde 2018), as legendas demoram a fazer o repasse às mulheres, e, em uma campanha tão curta, isso é definitivo. “Os partidos continuam deixando as mulheres à deriva. Eles não acreditam nas candidaturas, tratam como se fosse ‘café com leite’. Aí, ficam enrolando (para fazer os repasses)”, diz.
A expectativa é, principalmente, por um melhor desempenho nas capitais. Em 2016, apenas uma mulher teve sucesso nas urnas nas grandes cidades: Teresa Surita (MDB), em Boa Vista. Já neste ano, há dois nomes em primeiro lugar nas pesquisas: Manuela D’Ávila, do PCdoB, em Porto Alegre, e a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro, do PSDB.
Há, ainda, candidatas na corrida para o segundo turno em outras capitais, como Marília Arraes (PT), no Recife (PE), que está em segundo lugar, e a Delegada Danielle (Cidadania), em Aracaju (SE). Em Rio Branco (AC), a prefeita Socorro Neri (PSB) está em segundo lugar, empatada com outro candidato, conforme pesquisa Ibope divulgada no último dia 10. No Rio de Janeiro, o cenário é incerto com Martha Rocha (PSD), Benedita da Silva (PT) e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) disputando vaga no segundo turno.
Professora de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luciana Ramos ressalta que os municípios têm perfis muito distintos, mas que os movimentos nas capitais são diferentes. “Há uma possibilidade maior de aumento, porque elas (capitais) estão no centro desse debate (de maior representatividade)”, afirma. Nos interiores, conforme a especialista, o conservadorismo é um pouco mais forte.
Exemplo de que o discurso conservador tem diminuído nas capitais é o fato de o presidente Jair Bolsonaro não estar sendo bem-sucedido com seus candidatos. Em São Paulo, por exemplo, não conseguiu alavancar Celso Russomanno (Republicanos). No Rio de Janeiro, de nada adiantou para o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que tem alta rejeição. Na opinião de Luciana Ramos, a eleição de 2020 é um bom teste “para ver quanto a sociedade brasileira está sensibilizada com as pautas identitárias”.
Desigualdade
Lígia Fabris, professora e coordenadora do programa Diversidade da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, pontua que, pelas projeções, a expectativa é de um sucesso maior das mulheres nas urnas nas capitais. Ainda que acredite que, neste ano, o país verá mais mulheres eleitas, ela diz ser importante ter em mente que a desigualdade continua. Em Belém, Manaus e São Luís, por exemplo, não há sequer uma mulher na disputa pela prefeitura.
Para Fabris, um melhor resultado do que o visto em 2016 é reflexo de maior mobilização da sociedade, com pressão sobre os partidos. Conforme ressalta, um dos fatores mais determinantes para o aumento que deve ser visto neste ano é a exigência de repasse dos fundos eleitoral e partidário para candidaturas de mulheres. Em 2016, quando não havia essa obrigação, o cenário foi de apenas 13,5% de mulheres eleitas vereadoras e 641 (ou 11,57% do total), prefeitas. A candidatura feminina, naquele ano, representava 31,3% do total.
Professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mayra Goulart acredita em uma representação mais progressistas nos estados do Nordeste, com mais mulheres comprometidas com a causa feminista na região e no Norte.
“Acho interessante a gente ver essa eleição como um primeiro passo rumo a uma mudança na conjuntura política, com enfraquecimento do conservadorismo; um primeiro passo no afastamento de discursos muito radicais, que afetam a pauta da mulher, porque buscam reforçar o ‘papel tradicional’, de submissão, da mulher”, ressalta Mayra Goulart.
Cientista política e professora da UFRJ, Fernanda Barros aponta que "ação dos movimentos feministas no cenário nacional têm aumentado a retórica de participação das mulheres" nas plataformas políticas. "Principalmente na reivindicação de programas e políticas públicas de direitos humanos", afirma.
Voto feminino
Após anos de luta, a primeira conquista pelo voto feminino foi no Rio Grande do Norte, em 1927. No ano seguinte, mulheres de Natal e outros três municípios se registraram como eleitoras. Já em 1929, houve a vitória da primeira mulher: Alzira Soriano se elegeu prefeita do município de Lajes. Só em 1932, o voto feminino foi autorizado no Brasil no Código Eleitoral - mas apenas mulheres casadas, com autorização dos maridos, ou viúvas com renda própria - com autorização também para que fossem candidatas.
No ano seguinte, foi eleita a primeira deputada federal: Carlota Pereira de Queirós. Em 1934, as limitações deixaram de existir, e o direito ao voto para mulheres passou a ser previsto na segunda Constituição da República, mas só era obrigatório para aquelas que tinham função pública remunerada. Foi com a Constituição de 1946 que o direito foi ampliado, prevendo que todo brasileiro com mais de 18 anos era eleitor. Ainda que houvesse tal previsão, a mudança efetiva só ocorreu com o Código Eleitoral atual, de 1965, que encerrou a distinção do direito ao voto pelo gênero.
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