Mais uma vez, uma declaração do presidente Jair Bolsonaro, envolvendo as Forças Armadas, provoca desconforto na ala militar do governo. A visão é que o chefe do Executivo exagerou ao falar sobre utilização de “pólvora” contra o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, ainda que ele não tenha citado nominalmente o norte-americano. Os militares não ficaram nada satisfeitos e viram a fala como precoce e hostil.
Em evento no Palácio do Planalto, na terça-feira, Bolsonaro disse: “Assistimos, há pouco, um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto (Araújo, ministro das Relações Exteriores)? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem”.
A declaração foi uma resposta a Joe Biden, que, num debate durante a campanha presidencial, afirmou que o Brasil sofreria sanções econômicas caso não houvesse uma ação para frear o desmatamento e as queimadas na Amazônia. O presidente eleito ainda prometeu US$ 20 bilhões ao país para a preservação da floresta.
Um general do Exército, consultado pelo Correio, afirmou que a atitude de Bolsonaro não era esperada. Ele destacou que o caso provocou perplexidade em quem entende de capacidade militar e a importância da diplomacia, pregada durante antes pelo governo brasileiro. A expectativa é de que não passe disso, para que se evite avançar por um campo perigoso, na visão do oficial.
O que se fala, ainda, é que o campo militar é avesso a declarações que envolvam política e que esse tipo de declaração gera desconforto, mas nada que ocasione um problema grave internamente. A reação se estendeu, inclusive, ao vice-presidente Hamilton Mourão, que, nos bastidores, criticou Bolsonaro.
Publicamente, porém, Mourão minimizou a fala do presidente, como costuma fazer. “Ele se referiu a um aforismo antigo que tem aí que diz que quando acaba a diplomacia entram os canhões, foi isso a que ele se referiu”, disse, ao ser questionado por jornalistas, ontem. Perguntado se as falas poderiam provocar consequências às relações do Brasil com os Estados Unidos, afirmou: “Não causa nada. Isso aí tudo é figura de retórica. Vamos aguardar, dê tempo ao tempo (...) Vamos ter calma, tá bom?”
Como o próprio Bolsonaro admitiu, os dois não conversam há mais de uma semana. Na última segunda-feira, depois de Mourão ter dito que o chefe do Planalto estava aguardando o fim do imbróglio eleitoral nos EUA para parabenizar o eleito, o presidente rebateu, à CNN: “O que ele (Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”. Ontem, o vice negou que os dois não estejam conversando.
Defesa
No Congresso, o deputado Coronel Armando (PSL-SC), ex-vice-líder do governo, disse enxergar que o Brasil precisa, sim, dar uma resposta às declarações envolvendo a Amazônia, defendendo a soberania do país na região. “É claro que isso não agrada a um ou a outro (na ala militar do governo) e é claro que não vamos entrar em guerra com os EUA, mas temos de nos posicionar”, defendeu.
Já o senador Major Olimpio (PSL-SP), que desembarcou do governo Bolsonaro, afirmou que conversou com oficiais das Forças Armadas e que fica claro o receio deles de que o país e o mundo avaliem que o pensamento de Bolsonaro se repita entre os militares. Olimpio é membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional no Senado. Para ele, as falas do presidente são apenas “cortina de fumaça” para problemas reais, como a denúncia de envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) no esquema de rachadinhas quando era deputado na Assembleia Legislativa do RJ (Alerj).
Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola ressaltou que a declaração do presidente tem um impacto negativo. Soma-se a isso o fato de ele ainda não ter se pronunciado sobre a vitória de Biden, contrariando um costume da diplomacia. “Claro que, ao mesmo tempo, é uma bravata; não tem nenhuma consequência prática. Mostra claramente que o presidente continuando em alinhamento com (Donald) Trump, não aceitando a derrota”, destacou.
Para Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), a resposta de Bolsonaro a Biden foi péssima no âmbito da diplomacia e deixa o país em uma situação de isolamento e de declínio do diálogo.
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