Com críticas ao presidente Jair Bolsonaro, um artigo publicado pelo general da reserva Otávio do Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência da República, no Correio Braziliense, na terça-feira (27/10), teve grande repercussão na imprensa e movimentou as redes sociais. No texto, sem citar nomes, o militar compara Bolsonaro a um "imperador imortal" e diz que o poder “inebria, corrompe e destrói”. Ele também alerta que uma eventual extrapolação dos limites legais por "um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade". Procurado pela reportagem, o Palácio do Planalto não quis comentar o assunto.
O artigo, intitulado 'Memento mori' (em tradução livre do latim, 'lembra-te que és mortal'), trata de uma suposta dificuldade de Bolsonaro para lidar com opiniões que não lhe sejam favoráveis e de reconhecer os próprios erros. O texto também inclui críticas a auxiliares presidenciais, os quais define como “seguidores subservientes”.
“Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”, escreveu Barros.
No artigo, ele incluiu o que parece ser uma alusão à sua antiga relação de trabalho com Bolsonaro. O texto cita os escravos do império romano, que sempre faziam o imperador se lembrar de sua natureza humana. O general da reserva, antes de ser exonerado do cargo de porta-voz no começo deste mês, assistia, desde o fim de 2019, em meio a uma série de humilhações, ao esvaziamento dos seus poderes como um dos principais interlocutores do presidente no Planalto.
Redes sociais
Nas redes sociais, o artigo publicado no Correio foi compartilhado por muitos internautas. Um deles é o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa. O parlamentar classificou o texto como "ótimo" e destacou o seguinte trecho: "A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina(...). Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas". Na imprensa, o artigo do general foi repercutido por vários veículos de comunicação, incluindo os principais jornais brasileiros.
Otávio do Rêgo Barros é o segundo militar de alta patente que se manifesta publicamente, em menos de uma semana, de forma crítica sobre a relação do presidente com seus auxiliares. No último dia 23, pelo Twitter, o general Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, comentou o episódio em que Bolsonaro vetou a compra, pelo Ministério da Saúde, de 46 milhões de dose da vacina chinesa contra o novo coronavírus, a Coronavac. A aquisição havia sido anunciada pelo titular da pasta, o também general Eduardo Pazuello. Após ser desautorizado, o ministro da Saúde, em um vídeo ao lado do presidente, disse, simplemente, que "um manda, o outro obedece".
"Hierarquia e disciplina, na vida militar e civil, são princípios nobres. Não significam subserviência e nem podem ser resumidos a uma coisa 'simples assim, como um manda e o outro obedece'... Como mandar varrer a entrada do quartel", tuitou Santos Cruz, que deixou o governo após passar por um processo de fritura semelhante ao enfrentado por Rêgo Barros.
Puxão de orelhas
O artigo do ex-porta-voz da Presidência foi considerado por muitos como um puxão de orelhas nos ministros militares que seguem despachando no Palácio do Planalto — os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
Na semana passada, Ramos foi outro militar a enfrentar uma situação constrangedora no governo. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, depois de chamá-lo, pelas redes sociais, de "Maria Fofoca", segue firme no cargo. Anteriormente, Salles já havia batido de frente com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
Otávio do Rêgo Barros é um dos vários ex-colaboradores do governo que se tornaram críticos ou desafetos de Bolsonaro. Esse rol inclui ainda, além do próprio Barros e de general Santos Cruz, o ex-secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, falecido em março deste ano; e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.