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Guerra da vacina vai ao STF

Fux entende que debate sobre os critérios para a imunização tem tudo para chegar à Corte, cuja decisão pode garantir a segurança jurídica e colocar um ponto final na polêmica aberta com o veto de Bolsonaro ao medicamento desenvolvido na China


O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, afirmou, ontem, que entende ser necessário que o debate sobre os critérios da vacinação contra o coronavírus seja judicializado. Em videoconferência organizada pela Aliança de Advocacia Empresarial (Alae), ele disse que somente dessa maneira é que se garantiria a segurança jurídica necessária e colocaria um ponto final na discussão.

“Podem escrever: haverá uma judicialização, que eu acho que é necessária, sobre essa questão da vacinação. Não só a liberdade individual, como também, digamos assim, os pré-requisitos para se adotar uma vacina. Não estou adiantando ponto de vista nenhum. Estou apenas dizendo que essa judicialização será importante, e de preferência direto no Supremo. Por quê? Porque um dos grandes instrumentos na segurança jurídica é a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal”, salientou Fux.

O debate começou depois que Jair Bolsonaro desautorizou o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que assinara um protocolo para a obtenção de 46 milhões de doses da CoronaVac, que vem sendo desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, instituição ligada ao estado de São Paulo. O presidente sentenciou que a vacina não seria comprada depois que seus apoiadores nas redes sociais criticaram aquilo que entenderam ser uma submissão do governo federal à vontade política do governador João Doria –– desafeto de Bolsonaro.

Ação no plenário

Após sete partidos protocolarem, no STF, quatro ações sobre vacinação, ontem, o ministro Ricardo Lewandowski pediu explicações ao Planalto e já adiantou que não decidirá sozinho sobre os pedidos de liminar, mas enviará ao plenário para decisão conjunta, “em razão da importância da matéria e a emergência de saúde pública decorrente do surto do coronavírus”.

Lewandowski foi sorteado para relator e, além da Presidência da República, o ministro quer ouvir também a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR). O prazo para as respostas é de cinco dias.

Em uma das ações, PCdoB, PSol, PT, PSB e Cidadania pedem que o STF, entre outros pontos, impeça Bolsonaro e Pazuello de praticarem quaisquer atos que dificultem a continuação das pesquisas sobre vacina. Os cinco partidos pedem também que governo entregue, em até 30 dias, planos e programa relativos à vacina e medicamentos contra a covid-19. A Rede Sustentabilidade, em outra ação, também requer que o governo federal apresente um plano de vacinação.

Outras duas ações foram apresentadas pelo PDT e pelo PTB, com pedidos divergentes. Para o primeiro, de oposição ao governo Jair Bolsonaro, o Supremo deve reconhecer a competência de estados e municípios para determinar ou não a vacinação compulsória da população. Já o segundo, da base do presidente, solicita que essa possibilidade seja declarada inconstitucional.

 

 

Doria abre novos centros, busca apoio e pressiona contra politização

A politização da vacina CoronaVac e a negativa do governo federal em obtê-la não diminuiu os esforços de São Paulo para apoiar o imunizante que vem sendo desenvolvido entre a farmacêutica Sinovac e o Instituto Butantan. Além de abrir mais seis centros de estudo para acelerar o término das fases de teste, o governador João Doria articula apoio do Congresso à iniciativa do estado e também pressiona a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que não haja interferência do presidente Jair Bolsonaro nas decisões técnicas do órgão.

Ontem, a tradicional coletiva de atualização das ações de SP no combate à covid-19 contou com a presença do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) —, que, nesta semana, desmarcara reunião que teria com o governador pouco depois de Bolsonaro anunciar que não compraria as doses do que classificou como “a vacina chinesa de Doria”. O deputado esclareceu que, se for aprovada, articulará a inclusão da CoronaVac no Programa Nacional de Imunização (PNI). “Espero que a gente consiga construir, através do diálogo, a solução não apenas para São Paulo, mas para todos os brasileiros que precisam dessa e das outras vacinas para garantir proteção, principalmente o grupo de risco”, ressaltou.

O parlamentar admitiu a necessidade de “organizar aquilo que está desorganizado, infelizmente”, se referindo ao embate politizado em torno da vacina do Butantan. “Tenho certeza que o presidente da República vai ouvir nossos apelos e que não vamos precisar de outro caminho a não ser um bom diálogo, como o que tem tido com Parlamento a longo desses últimos meses”, salientou.

Doria, no entanto, não se mostrou tão confiante quanto Maia na interlocução com o governo federal. E indicou que fará o que for preciso caso a questão sobre a CoronaVac não seja resolvida pacificamente. “Se, pelo diálogo, nós não tivermos o alcance daquilo que é necessário para salvar a vida de brasileiros, não tenho a menor dúvida que adotaremos todas as medidas que forem necessárias”, ameaçou.

Mesmo com a garantia de Bolsonaro de que o governo federal não investirá na vacina Sinovac-Butantan, mais seis centros de pesquisa para acelerar a fase final de testes clínicos foram criados no Brasil, com apoio do Palácio dos Bandeirantes. O objetivo é ampliar o número de voluntários aptos a participar dos testes com o imunizante. Assim, os estudos serão ampliados de 9 mil para 13 mil voluntários, em 22 locais de pesquisa. Nesta fase, uma metade dos participantes recebe a dose da CoronaVac e a outra, uma injeção com placebo.

Reclamação e liberação

Na última quinta-feira, o Butantan denunciou que haveria atrasos deliberados da Anvisa no despacho dos processos para importação dos insumos necessários para a produção da CoronaVac. Após a repercussão, a agência se manifestou, negando qualquer tipo interferência política e ideológica e, ontem, a agência a liberou a importação de seis milhões de doses prontas da vacina da Sinovac.

O Butantan aguarda, ainda, autorização para trazer ao Brasil matéria-prima da vacina, suficiente para fabricar mais 40 milhões de doses. A liberação não foi autorizada devido a “discrepâncias apontadas no processo”.