O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, contradisse o chefe, o ministro Eduardo Pazuello, e afirmou ontem que o governo não pretende mais adquirir a vacina desenvolvida pela farmacêutica Sinovac e o Instituto Butantan. Em contrapartida, o diretor-presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), almirante Antônio Barra Torres, disse, também ontem, que “pouco importa de onde vem a vacina ou qual é o seu país de origem”. E salientou que a instituição está comprometida em atestar a qualidade, a segurança e a eficácia dos imunizantes que estão sendo testados no Brasil.
Entre as iniciativas previstas pelo ministério para incorporar ao Plano Nacional de Imunização (PNI), até o momento, estão a adesão na iniciativa Covax Facility, com a opção de compra de vacinas, além do contrato de encomenda tecnológica da vacina da AztraZeneca com a Universidade de Oxford. Na última terça-feira, a pasta confirmou a adesão da CoronaVac no rol de imunizantes, mas voltou atrás, após desencontro com afirmações do presidente Jair Bolsonaro.
Mas, em vez de reconhecer a mudança de postura, Elcio disse que houve uma “interpretação equivocada” gerada durante a reunião entre a pasta e governadores. O acordo de intenção — documento interno assinado na última segunda-feira, mas divulgado ontem depois da repercussão — reafirma que a previsão da pasta era de adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac.
Incorporação
Além disso, texto divulgado no próprio site do ministério, e retirado depois, confirma a intenção de incorporar a CoronaVac ao PNI. “A ação é mais um passo na estratégia de ampla oferta de vacinação aos brasileiros. Somadas, as três iniciativas — AstraZeneca, Covax e Butantan-Sinovac — representam 186 milhões de doses, a serem disponibilizadas ainda no primeiro semestre de 2021, já a partir de janeiro”, chegou a veicular a pasta.
Tanto o documento quanto o texto no site do ministério vão de encontro ao recuo do governo federal, após a intervenção de Bolsonaro. No pronunciamento de ontem, Élcio garantiu que “não há intenção de compra de vacinas chinesas”: “Em momento nenhum, a vacina foi aprovada pela pasta, pois qualquer vacina depende de análise técnica e aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec)”, esclareceu.
O secretário-executivo acrescentou que não houve compromisso com o governo do estado de São Paulo ou com o governador João Doria para aquisição da CoronaVac. “Tratou-se de um protocolo de intenção entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan, sem caráter vinculante”, disse.
Ele ainda enfatizou que, “no que depender desta pasta, (a imunização contra covid) não será obrigatória”, em alinhamento com a determinação presidencial. Questionado pelo Correio se a mensagem passada pelo governo federal pode fortalecer movimentos antivacinas e dificultar a criação de um bloqueio contra a doença, o ministério justificou que “oferecerá a vacinação contra a covid-19 de forma segura –– conforme já faz há décadas com todas as vacinas que compõem o Programa Nacional de Imunizações —, mas não recomendará sua obrigatoriedade aos gestores locais, respeitando o direito individual de cada brasileiro”.
Sem ideologia
Já na Anvisa, após se reunir com Doria, o diretor-presidente da agência, Antônio Barra Torres, frisou que a instituição quer se manter “fora da discussão política ou de qualquer outra discussão que não seja o norte técnico-científico para que, o quanto antes, possamos entregar respostas vacinais ao povo brasileiro”. Ele comentou que a Anvisa não participa de nenhuma compra feita pelo governo federal — que é de competência exclusiva do Ministério da Saúde ––, mas deixou claro que não vai rejeitar o pedido de registro de uma vacina só porque o imunizante é rejeitado por Bolsonaro e seus apoiadores.
“Para nós, pouco importa de onde vem a vacina ou qual é o seu país de origem. Nosso dever constitucional é fornecer as respostas de se esses produtos têm ou não têm qualidade, segurança e eficácia, se induzem à imunidade ou não, se essa imunidade induzida é específica ao coronavírus, se ela vai combater o coronavírus”, explicou Torres.
A diretora da Anvisa Alessandra Bastos acompanhou. “O nosso critério não é de onde vem, mas é se há qualidade e onde é fabricado. Não é competência nossa fazer julgamento”, garantiu.