ENTREVISTA

Presença de Bolsonaro nas eleições municipais será inevitável, avalia especialista

Com mais de 100 campanhas no currículo, cientista político vê possibilidade de corrente do presidente se consolidar também nos municípios

Ainda que Jair Bolsonaro não pretenda se envolver nas eleições municipais, em novembro, sua presença, mesmo indiretamente, será inevitável. Isso porque são vários os candidatos a prefeito e a vereador que atrelam sua imagem à do presidente, defendendo bandeiras do bolsonarismo, e nos mais vários partidos. A observação é do cientista político e sociólogo Antônio Lavareda, 69 anos, um dos principais nomes do marketing político no país, e que traz na bagagem a participação em mais de 100 campanhas eleitorais. Ele vai mais longe: assim que os candidatos às prefeituras que se apresentam como representantes da corrente política de Bolsonaro chegarem ao segundo turno, o presidente deverá explicitar-lhes apoio como forma de confirmar sua presença nos mais de 5,5 mil municípios do país. Uma manobra considerada importantíssima para consolidar a candidatura à reeleição, em 2022. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Correio.

O que mais tem chamado a atenção do senhor nas campanhas municipais deste ano?

Estas são as eleições mais diferentes na história eleitoral da Nova República, porque tiveram o calendário adiado e porque têm uma gramática nova –– a proibição de aglomerações significa a proibição das grandes manifestações de campanhas, limitar o entusiasmo dos eleitores e o corpo a corpo dos candidatos. Essas eleições são travadas também num quadro de crise sanitária e econômica, o país tendo o seu PIB recuando menos 5% neste ano, e num quadro de polarização política. As correntes políticas que se associam ao presidente, que já ocupam espaço no legislativo nacional, nas assembleias legislativas e em alguns governos estaduais, agora procuram se enraizar nos municípios.

Como o senhor avalia o desempenho do bolsonarismo nessas campanhas?

O bolsonarismo se apresenta nessas eleições com as mais diversas vestes. Candidatos do PSL, como Luiz Lima, no Rio de Janeiro, apesar de o presidente ter se afastado do partido, continua se afirmando bolsonarista. É assim no Brasil afora. No Recife, o candidato do DEM, Mendonça Filho, na convenção apresentrou o slogan “Bolsonaro é Mendonça, Mendonça é Bolsonaro”. Bolsonaro, quando disse que ficaria afastado e que não se envolveria com as campanhas municipais, esqueceu que o presidente é sempre envolvido por causa da condição de eleição intermediária, que se conecta com a eleição seguinte. Mesmo que ele não se envolva, as campanhas se envolvem com ele. As campanhas o alcançam mesmo que ele não queira.

O bolsonarismo tem uma forte presença nessas eleições?

No primeiro turno, não há uma grande cidade, nem média, onde não haja candidatos a prefeito e a vereador se afirmando bolsonaristas, vinculados às bandeiras do presidente. O presidente está, sim, envolvido no primeiro turno, em alguns lugares mais explicitamente, como Rio de Janeiro e São Paulo. O Rio é a base política do presidente; São Paulo é a maior cidade do país e onde há um conflito com o governador João Dória. E, no segundo turno, ele provavelmente se verá bem mais envolvido porque costuma ter um teor de politização ainda maior.

O presidente é um bom cabo eleitoral?

O presidente está numa fase, do ponto de vista da avaliação popular, muito positiva. Tem um percentual de ruim e péssimo muito baixo. E qual é a consequência disso? Dois estímulos são emitidos com esse bom desempenho nas pesquisas: o primeiro, aos candidatos bolsonaristas, e o segundo, a ele próprio, que se sente mais confiante. E sente que é importante enraizar o seu prestígio e facilitar a chegada de aliados ao poder nos mais de 5,5 mil municípios.

Que fatores têm contribuído para a boa avaliação do presidente?

Quando você indaga as pessoas sobre como foi o desempenho dele em relação à pandemia, não é positivo. Ótimo e bom são 29% e ruim e péssimo, 47%, segundo a pesquisa XP Ipespe. Ele perde para os governadores, que têm 39% de ótimo e bom contra 28% de ruim e péssimo. Mas há o impacto do auxílio emergencial, atingindo uma base de mais de 60 milhões de pessoas, o grosso delas com renda de até três salários mínimos de renda familiar.

O que mais contribuiu para a melhoria da avaliação?

Bolsonaro fez dois movimentos muito importantes e, obviamente, associados. O primeiro foi que aderiu ao presidencialismo de coalização, ao qual havia resistido durante todo o primeiro ano do seu mandato e no início de 2020. Ele, finalmente, reconheceu que precisava de uma base sólida no Congresso. Então, buscou o Centrão cujos membros, na verdade, são de direita. E mais: fez um voo para o centro. Saiu da extrema direita, depois de testar as instituições democráticas, e pratica o presidencialismo de coalizão. E esse presidente que fez o maior programa de transferência de renda em curtíssimo prazo da nossa história recente cai nas graças de uma grande parte da base da sociedade.

Na sua opinião, em razão do amplo uso da internet pelos candidatos, o peso da tevê e do rádio nas eleições ainda é expressivo?

O argumento de que a tevê mostrou que não é mais importante, porque Bolsonaro ganhou a campanha eleitoral quando só tinha sete segundos, é bobagem. O presidente teve muito tempo com a facada que levou, mais do que todos os adversários. Sabe quanto os americanos estão gastando em tevê na campanha presidencial deste ano? US$ 4,2 bilhões. Estão gastando US$ 1,8 bilhão em mídia digital, US$ 500 milhões em rádio. Para quem tem dúvida sobre a importância do rádio e da tevê, nada mais significativo do que esses dados dos orçamentos das campanhas americanas.

O senhor acha que a esquerda chegará dividida em 2022 ou estará unida em torno de um candidato?

Quem pode responder essa questão é o psicanalista desses personagens. O Ciro Gomes, por exemplo, tem em torno de 11% das intenções de voto. Disputou três eleições e sempre teve esse percentual. Então, é muito difícil ele ceder espaço para alguma candidatura que tenha um patamar de votos inferior. O PT, por sua vez, conseguiu a duras penas ir para o segundo turno em 2018, com a votação de 45% do Fernando Haddad. Mas o partido deve ter a consciência de que, nesses 45%, contam tanto os votos do primeiro turno do PT, que foram 22%, como a rejeição a Bolsonaro. Não são 45% do PT. A ideia de uma grande aliança de partidos de esquerda ganhou mais plausibilidade em abril, no início de maio, quando Bolsonaro fez um movimento claramente antidemocrático. Naquele momento essa ideia ganhou força, mas, quando ele fez o voo para o centro, a esquerda voltou à sua fragmentação normal.