De forma silenciosa, entre 2004 e 2014, o gigantesco esquema de corrupção que se formou em torno da Petrobras cresceu de maneira impressionante até que se estruturou em uma megaorganização. Divididos em núcleos dedicados às áreas de finanças, pagamento de propina e de cooptação do setor político, a quadrilha propiciou o desvio de tanto dinheiro que ficou difícil esconder das autoridades brasileiras o que estava acontecendo. Além de garantir o prosseguimento das ilegalidades, os criminosos tinham como desafio ocultar os recursos. Foi aí que surgiu o braço internacional do esquema. Por meio de uma rede profissional de lavagem de dinheiro e ocultação de divisas, os envolvidos enviaram quantias para mais de 60 países. Mas, com o sistema fraudulento desbaratado pela Operação Lava-Jato, as autoridades tiveram acesso aos montantes enviados para o exterior. Pela primeira vez na história, os valores repatriados em uma única operação aproximam-se de R$ 1 bilhão.
Para chegar a esse resultado, integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário precisaram interrogar centenas de testemunhas e investigados, conduzir diligências em cinco unidades da Federação e desvendar o caminho percorrido pelo dinheiro até chegar a contas no exterior. De acordo com o Ministério Público Federal no Paraná, até o primeiro semestre deste ano, foram devolvidos ao território nacional R$ 846,2 milhões. No total, R$ 2,1 bilhões estão bloqueados em diversos países, de acordo com dados da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), vinculada à Procuradoria-Geral da República (PGR). As investigações no âmbito internacional demandam ainda mais esforços, já que precisam contar com a cooperação de autoridades de outras nações.
Com seis anos de existência, a Lava-Jato retirou a cortina que cobria transações espúrias, que usavam empresas e repasses em dólar para dar aparente legalidade a operações milionárias provenientes de desvios nos cofres da Petrobras e de suas subsidiárias. Para encontrar os recursos, os investigadores analisaram o valor recorde de R$ 12 trilhões em contratos e serviços suspeitos.
Professor de compliance do Ibmec em Brasília, Marcelo Pontes afirma que os doleiros — profissionais que vendem e compram a moeda norte-americana — tiveram papel amplo no envio de recursos para o exterior no esquema descoberto pela Lava-Jato. “Os métodos mais utilizados foram os chamados doleiros, e basicamente, o que eles fazem é intermediar as remessas de recursos ilícitos para contas no exterior. É a chamada lavagem do dinheiro”, destaca. “Eles têm contatos, formas de abrir contas em outros países para enviar o dinheiro usando intermediários. Dessa forma, fica difícil descobrir os caminhos do dinheiro. Um servidor público que vai receber propina, por exemplo, geralmente é pago por meio de laranjas encontrados por doleiros.
Artimanhas
Ainda de acordo com Pontes, todos os passos eram minuciosamente pensados para impedir que órgãos investigativos e de controle descobrissem as irregularidades e acessassem os recursos, por isso, a importância da cooperação com as autoridades dos demais países envolvidos. “Existe o método de abrir uma conta no exterior e colocar o nome de um laranja, como um vizinho. E o alvo da propina, que vai receber o dinheiro, como políticos e servidores públicos, recebem uma procuração. Então, não é o titular da conta que movimenta os montantes, mas, sim, o receptor da propina”, detalha. “No entanto, quando as autoridades vão solicitar cooperação, recebem o nome de terceiros, não dos alvos da investigação. Apesar disso, sempre existem rastros a serem descobertos.”
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, ressalta que, além dos meios eletrônicos, existem casos de retiradas de dinheiro em espécie do país, para dificultar o trabalho de investigação. “O dinheiro sai tanto em espécie quanto por transferências bancárias. No primeiro caso, assim como acontece com a droga, o dinheiro é retirado do país por pessoas que atuam como ‘mulas’, transportando o dinheiro no corpo ou dentro de outros produtos”, relata. “Já as transferências bancárias ocorrem por meio dos negócios jurídicos simulados.”
As investigações concentraram-se no Ministério Público Federal do Paraná, cuja força-tarefa criada para cuidar do caso foi renovada até janeiro do ano que vem, mas que pode deixar de existir, a depender da decisão a ser tomada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, quando a prorrogação tiver vencido.
Lei fortaleceu a operação
A lei das organizações criminosas, promulgada em 2013, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, em que gestores públicos, diretores de estatais e políticos da base do governo ficaram na mira das investigações, foi fundamental para que todo o trabalho da Operação Lava-Jato fosse realizado.
A mudança na legislação permitiu uma punição maior e criou o instituto da delação premiada. O dispositivo encontra a oposição de muitos advogados. Eles alegam que seus clientes são obrigados a produzir provas contra si mesmos e que são pressionados a contar o que sabem às autoridades querem. No entanto, é o mesmo dispositivo que permite a redução de pena e até o perdão judicial para empresas e pessoas que aceitam colaborar e revelar o funcionamento dos esquemas ilegais.
Ao convencer o réu a colaborar, as autoridades podem, ainda, negociar a devolução dos valores que foram desviados e, se necessário, com aplicação de multas, que, muitas vezes, chegam a cifras altas, como é o caso do empreiteiro Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora de mesmo nome, principal envolvida no sistema criminoso mantido ao longo dos anos. O executivo aceitou pagar indenização de R$ 73,3 milhões a título de danos morais e cumprir 10 anos de prisão.
Marcelo Pontes, professor de compliance do Ibmec em Brasília, destaca que, apesar das mudanças na legislação e do reforço em órgãos de controle, não descarta-se a hipótese do surgimento de novos esquemas do tipo, que podem ser tão grandes quanto o que saqueou os cofres da Petrobras e suas subsidiárias. “Sempre existe esse risco. Quando criam-se novas tecnologias, como as criptomoedas, também surgem novas margens de desvio e lavagem de dinheiro. O crime vai se adaptando. Mas o sistema bancário está reagindo, como é o caso do PIX, que já veio com diversas ferramentas de controle para evitar fraudes. Mas, se as autoridades não ficarem vigilantes, esquemas tão grandes quanto o descoberto pela Lava-Jato podem surgir novamente”, enfatiza. (RS)
Pagamentos instantâneos
PIX é o novo sistema de pagamentos instantâneos, preparado pelo Banco Central, com o intuito de permitir, de forma rápida e segura, transações financeiras a qualquer hora do dia e a qualquer dia da semana. O modelo deve entrar em operação em 16 de novembro.