A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de mandar libertar o traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap — líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do país —, pode deflagrar uma saraivada de pedidos semelhantes de habeas corpus à Corte. A defesa de um dos comparsas de André do Rap, o também traficante Gilcimar de Abreu, mais conhecido como Poocker, entrou com recurso, ontem, no gabinete do magistrado. A advogada Ronilce Martins pediu a soltura do criminoso usando, como justificativa, o artigo 316 — o mesmo em que o magistrado se baseou para soltar o integrante do PCC.
No recurso encaminhado ao vice-decano do STF, Martins alega que Poocker está preso de forma preventiva desde 25 de junho deste ano, sem que a detenção dele tenha sido renovada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), o que torna a reclusão ilegal, segundo a advogada.
O traficante já foi condenado pelo TRF-3, um tribunal de segunda instância, a oito anos de prisão por tráfico internacional de drogas. Contudo, como o processo ainda não transitou em julgado — quando são esgotados todos os recursos em todas as instâncias judiciais —, ele está preso preventivamente à espera de uma sentença condenatória definitiva. A defesa do criminoso pede a soltura dele, também, por esse motivo, visto que, em 2019, o STF decidiu ser ilegal que um réu inicie o cumprimento da pena antes que todos os recursos sejam esgotados.
Poocker recebeu a condenação no mesmo processo que André do Rap — este, recebeu duas penas, que chegam a 25 anos de reclusão. Ambos os criminosos integravam uma quadrilha que traficava cocaína para países da Europa e da África. Parte da droga também era exportada para a Cuba. A cocaína era enviada pelo grupo de traficantes pelo Porto de Santos.
Procuradores criticam Marco Aurélio
A acusação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que o Ministério Público contribuiu para que o traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, deixasse a prisão, no último fim de semana, foi repudiada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Por nota, as instituições negaram omissão do MP e reforçaram que a obrigação de revisar a manutenção da prisão preventiva, a cada 90 dias, é imposta apenas ao juízo de primeiro grau ou tribunal que impôs a medida cautelar. Em entrevista ao Correio, no domingo, Marco Aurélio disse que “aplicou a lei” ao conceder habeas corpus a André do Rap — líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do país — e frisou que “se há culpado, é aquele que não renovou a custódia” do traficante.
“Em posição até agora isolada, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, vem compreendendo que, configurado o excesso de prazo da prisão, deve ser determinada a soltura do preso. Quando do julgamento do mérito desses casos, a 1ª Turma do STF tem refutado o argumento e vem cassando as liminares deferidas. No caso do réu André do Rap, a soltura foi determinada, inclusive, antes de qualquer ouvida do MP”, escreveram as entidades.
As instituições reclamaram que Mello autorizou a soltura do criminoso sem analisar o caso concreto e lembraram que “no caso do traficante liberado, já condenado em duas instâncias, tanto o juízo federal e o membro do Ministério Público de primeiro grau quanto a Procuradoria Regional da República e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região já haviam justificado a necessidade de manutenção de sua prisão preventiva”.
A ANPR e a Conamp disseram que “a inobservância do prazo de prisão preventiva não tem levado à sua automática revogação pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça”.
Também por nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criticou a decisão do ministro. Segundo a entidade, o habeas corpus foi uma “posição isolada”. A instituição afirmou que o “decurso do prazo de 90 dias estabelecido na lei anticrime não implica automaticamente a colocação em liberdade de réu preso”.
Deputado se defende
A necessidade de renovação das prisões preventivas a cada 90 dias está estabelecida no artigo 316 do Código de Processo Penal. A legislação entrou em vigor em janeiro deste ano, depois de o presidente Jair Bolsonaro sancionar o pacote anticrime.
Relator do texto na Câmara e responsável por sugerir o dispositivo, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) se manifestou, ontem, também por nota, a favor da reavaliação das prisões preventivas de três em três meses, mas disse que esse artigo não poderia ter sido usado para libertar André do Rap. De acordo com ele, “o citado artigo apenas explicita que prisão preventiva não é condenação, e que, por isso, deve ser reavaliada a cada 90 dias, todavia, entre os fundamentos que justificam a manutenção da prisão preventiva está a periculosidade do agente”.
O parlamentar ressaltou que “a periculosidade é um dos itens a serem analisados para manter a prisão preventiva e, por isso, no caso de André do Rap, a prisão jamais poderia ter sido relaxada”.
Apesar de uma decisão do presidente do STF, Luiz Fux, ter revogado o habeas corpus expedido por Marco Aurélio e determinado a imediata prisão de André do Rap, ele ainda não foi capturado e é considerado foragido.
O promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que esteve à frente da investigação que prendeu o traficante, em 2019, disse em entrevista ao G1 que o criminoso deve ter fugido para o Paraguai. A Polícia Federal colocou o nome do traficante na lista de procurados da Interpol.