Fenômeno incomum na história da República, a abertura de processos de impeachment está se tornando cada vez mais recorrente nas unidades federativas. O processo mais adiantado, no momento, é o do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que teve seu afastamento mantido por 69 votos a 0 pelos deputados da Assembleia Legislativa do estado (Alerj). Algo parecido ocorre em Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) corre contra o tempo para tentar convencer os parlamentares locais a mantê-lo no comando do estado.
Pela primeira vez, o Brasil pode ter um chefe de executivo estadual removido de forma definitiva. O uso do dispositivo, regulado por uma lei de 1950, tem se tornado mais frequente após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. De lá para cá, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e os ex-governadores de Minas Gerais Fernando Pimentel (PT); e do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (MDB) foram alvos de processos parecidos, mas conseguiram evitar a queda.
Ao longo da história, apenas um governador, Muniz Falcão, de Alagoas, foi removido do posto que ocupava, em 1957. À época, a votação gerou desordem social e tiros foram disparados do lado de fora da Assembleia Legislativa no momento da sessão. Pelo menos 1,2 mil disparos foram feitos — o que resultou na inversão federal no estado — decretada pelo presidente Juscelino Kubitschek. Apesar da decisão dos parlamentares, o mandato foi devolvido um ano depois, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso mais recente, o governador Wilson Witzel foi afastado do cargo por uma decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele é acusado de integrar um esquema de desvios de verbas destinadas à saúde do Rio, mas nega as acusações, se dizendo alvo de perseguição política; e também acusa o presidente Jair Bolsonaro de querer que o político fora do cargo. Apesar de individual, a decisão de Gonçalvez foi chancelada por 14 dos 15 ministros que integram a Corte Especial do STJ. No lugar de Witzel, atualmente, está o vice-governador, Cláudio Castro.
Relatório final da Comissão Especial da Assembleia Legislativa do Rio que acompanhou as medidas adotadas na gestão de Wilson Witzel durante a pandemia da covid-19 diz que contratações feitas pelo governador afastado foram “eivadas de irregularidades e repletas de indícios de corrupção”. Uma cópia do relatório — apresentado na última segunda-feira pelo colegiado — foi enviada ao desembargador Claudio de Mello Tavares, que preside o Tribunal Especial Misto que vai julgar o processo de impeachment de Witzel.
Para o advogado constitucionalista Gustavo Dantas, o Judiciário está avançando sobre as questões políticas, o que, acredita, cria um precedente perigoso. “Nós temos visto uma grande ação do Poder Judiciário sobre questões políticas, que envolvem o Executivo e o parlamento. A decisão monocrática afastou o governador do Rio para que corra o processo de impeachment. Isso é um problema, pois a jurisdição não deve imiscuir, interferir, no processo político. O impeachment deve tramitar nos poderes eletivos.”
O novato
Surfando na onda da negação da chamada “velha política”, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, chegou ao comando do Executivo do estado com 71% dos votos no segundo turno. Porém, denúncias envolvendo suposta fraude na contratação de materiais e serviços para o combate à pandemia do novo coronavírus aproximam o político de sua queda. O militar do Corpo de Bombeiros é alvo de um processo de impeachment desde 22 de julho.
Embora admita que não parece ver ilegalidade nos processos de impeachment em curso, o cientista político Cristiano Noronha, da Ark Advice, explica que os processos mostram a necessidade de avaliação das relações políticas entre os Poderes. “Isso tudo mostra a importância de ter uma relação harmoniosa entre Executivo e Legislativo. Não submissa, mas de respeito mútuo.”