Dentro de pouco mais de um mês, os brasileiros irão às urnas para eleger os representantes dos seus municípios. Em um pleito com recorde de candidatos — já são pelo menos 552 mil que pediram registro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) —, o país deve passar por um processo eleitoral relativamente distinto do que ocorreu em 2018. Por mais que em muitas cidades prevaleça o apelo da população por renovação na administração pública, em boa parte delas o tradicionalismo é quem deve dar as cartas, principalmente pelas particularidades de um pleito municipal, em que a experiência de lideranças políticas locais ainda tem bastante peso.
A constatação foi apresentada por alguns analistas ouvidos pelo Correio, que deram um termômetro do que pode acontecer nas eleições de novembro. Na avaliação do cientista político Marco Antônio Carvalho, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, “a disputa nas cidades está mais atrelada às questões que envolvem o município e à dinâmica da região do que a um discurso mais genérico de renovação”.
Segundo ele, à exceção das capitais estaduais e algumas metrópoles, o pleito deste ano não deve ser “nacionalizado”. Assim, nos municípios de pequeno porte, que são a maioria no país, a figura do presidente Jair Bolsonaro não deve ser mais importante do que questões como segurança, educação, saúde, saneamento e outras preocupações mais imediatas aos cidadãos.
“Os votos para as prefeituras não são muito influenciados pelas lideranças nacionais. Na eleição local, a população focaliza muito para as próprias lideranças e, sobretudo, o desempenho do governo. Os serviços de cada cidade atingem em cheio a sociedade: limpeza urbana, coleta de lixo, poda de árvores, transporte coletivo. Tudo isso o cidadão sente no dia a dia. Não por acaso, a eleição acaba se constituindo muito mais em um julgamento do prefeito que está terminando o mandato do que um processo marcado por influências externas”, diz Carvalho.
Mais fatores
Os analistas acreditam que a mudança para as eleições deste ano que proibiu o financiamento de campanhas por empresas deve favorecer legendas já consolidadas. Coincidentemente, cinco das seis siglas que mais aplicaram candidatos para o pleito municipal estão no cenário político há mais de 20 anos: MDB (44.794), PP (38.253), DEM (32.984), PSDB (32.938) e PT (31.511).
“Eles são os que detêm maior parte do fundo eleitoral. Por mais que as eleições tenham tido forte apelo das redes sociais, essas siglas possuem uma máquina grande, militância, verba e campanhas mais engajadas. Isso tudo dá uma posição diferenciada”, diz o cientista político Enrico Monteiro, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical.
Para o cientista político Nauê Bernardo Pinheiro, professor da União Pioneira de Integração Social (Upis), o fato de o debate político deste ano ter sido tão prejudicado, muito por conta da pandemia do novo coronavírus, é mais um elemento que pode jogar a favor dos caciques da política.
“Estamos diante de um cenário instável, com uma pandemia que deixou muitos mortos e uma crise econômica violenta, que vai perdurar além da crise sanitária. Isso tudo faz com que pessoas que já estejam na arena política tenham um pouco mais de desenvoltura ou mesmo acesso para conseguir levar uma determinada pauta para os vários grupos sociais. A estrutura partidária ainda é muito dominada por chefões, que acabam tendo mais ou menos controle diante de situações assim”, opina.
Bolsonaro
Como a política nacional é recheada de surpresas, os especialistas lembram que o cenário das eleições municipais vai variar de cidade para cidade. Assim como há dois anos, quando a maioria dos brasileiros elegeu Bolsonaro para presidente por vê-lo como a promessa de uma nova política, o mesmo pode acontecer no mês que vem. Não à toa, muitos candidatos devem usar o nome do mandatário para tentar se promover.
“O bolsonarismo está bastante associado à crença do eleitor de que os políticos dessa vertente têm a capacidade de mudar a situação da política. O bolsonarismo carrega esse fio de cansaço de uma parcela da população que já não vê mais solução com os candidatos tradicionais. Sendo assim, acredito que as eleições deste ano devem continuar com aquele discurso de tentativa de renovação, e os que estão mais fora da política podem ter algum espaço”, observa Pinheiro.
O cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, acrescenta que a estratégia de alguns candidatos de se associar à imagem de Bolsonaro só deve funcionar nas regiões onde a popularidade do presidente for maior. No Nordeste, por exemplo, o presidente pode impulsionar algumas candidaturas devido ao sucesso do auxílio emergencial, mas na região Sudeste o cenário será diferente.
“Tanto no caso de São Paulo quanto no Rio de Janeiro, Bolsonaro pôs a cabeça dele a prêmio ao apoiar Celso Russomanno e Marcelo Crivella. Crivella, por exemplo, é muito pouco provável que vá para o segundo turno. Bolsonaro só entrou nessa por causa do Republicanos, partido dos filhos dele, e para marcar posição na sua base eleitoral. E, em São Paulo, o presidente fez uma grande aposta, porque Russomanno é o cara que larga na frente e nunca chega, além de enfrentar uma alta rejeição”, detalha Pereira César.