Judiciário

Com Lava-Jato no plenário, embate entre correntes divergentes deve ganhar força no STF

Tribunal decide retirar da Segunda Turma os processos relativos à operação, de modo que os onze ministros passam a julgar os casos sob investigação da força-tarefa. Divergência entre ministros garantistas e punitivistas tende a ganhar mais visibilidade

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, que todas as ações penais e inquéritos devem sair da análise das turmas e voltar a ser competência do plenário da Corte, para análise dos 11 ministros. Entre elas figuram as da Lava-Jato, que, até então, eram avaliadas pela Segunda Turma da Corte, onde está o ministro Celso de Mello. Ele se aposenta no próximo dia 13. No lugar dele, o presidente Jair Bolsonaro indicou o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

Nos últimos tempos, Celso de Mello esteve ausente da turma, em razão de problemas de saúde. Com isso, os julgamentos relacionados à Lava-Jato ficavam empatados, circunstância que favorece os réus. Em agosto, por exemplo, após um empate, o colegiado anulou a condenação ao doleiro Paulo Roberto Krug no caso do suposto esquema de fraude no antigo Banco do Estado do Paraná (Banestado), após a defesa apontar parcialidade do então juiz federal Sergio Moro.

Além de Mello, a Segunda Turma é composta por Gilmar Mendes, que é o presidente, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Cármen Lúcia. A Primeira Turma também é composta por cinco ministros. No meio jurídico, é comum os advogados em matéria penal tipicarem os ministros do Supremo como garantistas ou punitivistas. No caso específico da Segunda Turma, essa seria a catacterística de Mendes e Lewandowski. Com a mudança aprovada ontem, a totalidade dos ministros passará a decidir pelo recebimento de denúncias de casos envolvendo políticos que respondem por crimes comuns, além de julgá-los.

Desde 2014, as duas turmas avaliavam estas situações. No plenário, ficavam apenas os casos envolvendo o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes do Senado e da Câmara Federal, ministros do STF e o procurador-geral da República.

Agora, a análise do plenário volta a abranger também deputados, senadores, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União (TCU) e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Em relação à Lava-Jato, a tendência é de que os processos à operação de combate à corrupção ganhem mais visibilidade.

Na justificativa para retirar a Lava-Jato da Segunda Turma, no documento assinado pelo presidente do STF, Luiz Fux, ele ressalta que, em 2014, a medida era plenamente justificada “considerado o montante elevado de inquéritos, ações penais e processos correlatos que tramitavam no Tribunal, o que sobremaneira assoberbava a pauta de julgamentos do plenário”. Agora, no entanto, com o plenário virtual, houve redução de ações liberadas para análise do plenário presencial.

Além disso, a restrição da aplicação da regra do foro por prerrogativa de função, decidida em 2018, provocou uma redução substancial na quantidade de inquéritos e ações penais na Corte. A alteração limitou o alcance do foro privilegiado, definindo a prerrogativa de deputados federais e senadores apenas no caso de crimes praticados no exercício do mandato e relacionados ao cargo.

Segundo Fux, no dia 3 de maio de 2018, quando foi fixado novo entendimento, tramitavam no Supremo 500 inquéritos e 89 ações penais. No dia 5 de outubro deste mês, o número era de 166 inquéritos e 29 ações penais.

Mal-estar

O ministro Gilmar Mendes, crítico da Lava-Jato, reclamou quando o presidente Fux anunciou no início da sessão desta quarta-feira (7/10) a intenção de realizar a mudança, retirando as ações penais das turmas e devolvendo ao plenário. Opositor da Lava-Jato e presidente da Turma, ele manifestou ter sido pego de surpresa. “A mim, me parece que reformas regimentais precisam ser primeiro avisadas aos ministros para serem discutidas. Não faz sentido a gente chegar do almoço e receber a notícia de que tem uma reforma regimental que vai ser votada”, disse.

O ministro afirmou que não recebeu o texto sobre a mudança, e que o assunto deveria ser discutido. Mendes disse que não se opunha à alteração, mas fez a ressalva. “Não é assim que se procede”, afirmou.

Fux, por sua vez, pediu desculpas, mas rebateu. “Vossa excelência, me perdoe, mas eu sempre fui de prestigiar os presidentes, inclusive como vice-presidente, e votei inúmeras propostas regimentais em um momento imediato”.