O currículo acadêmico apresentado pelo desembargador Kassio Nunes Marques, indicado de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), traz um curso de pós-graduação que não é confirmado pela Universidad de La Coruña, na Espanha. Universidades citadas no currículo apresentado pelo magistrado, e disponível no seu perfil no site do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF-1), foram indagadas a respeito dos cursos que ele afirma ter feito.
Para ser ministro da mais alta Corte de Justiça do país não é preciso ser formado em Direito. O requisito do “notável saber jurídico”, conforme previsto em lei, pode ser obtido por qualquer pessoa, com qualquer formação, e reputação ilibada. Mas, no documento que consta no portal do TRF-1, Marques menciona que concluiu pós-graduação em “Contratación Pública”, pela Universidad de La Coruña. Só que a instituição, ao ser questionada, informou que não oferece nenhuma pós-graduação deste curso.
“Informamos que a Universidade de La Coruña não ministrou nenhum curso de pós-graduação com o nome de Postgrado en Contratación Pública”, declarou a universidade, em resposta ao O Estado de S.Paulo.
Ao ser questionada diretamente se Kassio participou, ao menos, de alguma atividade com o nome de “Contratación Pública”, a universidade enviou uma cópia de um certificado de Marques, mostrando que o desembargador participou apenas de um curso de quatro dias, entre 1 e 5 de setembro de 2014.
“Kassio Nunes Marques participou como ouvinte do ‘I Curso Euro-Brasileiro de Compras Públicas’, organizado pela Universidade da Coruña, o Programa Ibero-Americano de Doutorado de Direito Administrativo, a Rede Ibero-americana de Compras Públicas, o Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos de Infraestrutura e Grupo de Pesquisa de Direito Público Global, realizado na Escola de Direito da Corunha entre 1 e 5 de setembro de 2014”, informa o certificado.
Os questionamentos ao currículo chegaram ao conhecimento de Kassio. Na audiência virtual que teve, ontem, com sete senadores, o desembargador chegou a fazer comentários aos parlamentares sobre os cursos de pós-graduação. Segundo um senador presente à reunião, o magistrado teria demonstrado preocupação com a repercussão que esse tema poderia ganhar, mas disse aos senadores que, caso houvesse polêmica, tinha as justificativas. Nesta conversa, Marques chegou a mencionar que não há exigência de formação em Direito para ser ministro do STF, mas sim reputação ilibada.
Pós-doutorado
O currículo de Marques cita, também, dois cursos de pós-graduação feitos na Universidade de Salamanca, na Espanha: o primeiro, um doutorado em Direito, com especialização em Administração, Fazenda e Justiça; o segundo, um pós-doutorado em Direitos Humanos. Questionada, a instituição afirmou que as informações públicas de alunos estão disponíveis no site da instituição. O doutorado aparece, de fato, no site da universidade, mas mostra que a tese foi defendida em 25 de setembro passado. O pós-doutorado em Direitos Humanos, no entanto, não consta no banco de dados públicos da Universidade de Salamanca.
Mais um curso de pós-doutorado consta no currículo de Kassio, o de Direito Constitucional, pela Universidade de Messina (Universitá Degli Studi di Messina), na Itália. A instituição, porém, não respondeu sobre a atuação do desembargador neste curso.
Pelo currículo, Kassio teria concluído o doutorado apenas 11 dias atrás e teria dois pós-doutorados.
No Brasil, o currículo no TRF-1 diz que ele tem mais uma pós-graduação, em Ciências Jurídicas, pela Faculdade Maranhense – MA (sic). Mas não foi encontrada qualquer instituição com esse nome, como consta no currículo, que ofereça tal pós-graduação. A Faculdade Maranhense (FAM), que foi contatada, informou que não tem cursos relacionados ao Direito. Já a Faculdade Maranhense São José dos Cocais, não respondeu se o curso é ofertado e ou se o desembargador foi seu aluno.
Com relação à graduação de Marques, em Direito, pela Universidade Federal do Piauí, a instituição confirmou que ele finalizou o curso em 1994 e disse que obteve Índice de Rendimento Acadêmico de 8.3704 pontos, “sem qualquer registro que desabone sua conduta acadêmica”. A assessoria de imprensa do TRF-1 informou que “não está autorizada a falar em nome do desembargador federal Kassio Marques, que, por ora, não está respondendo às demandas da imprensa”. O tribunal declarou que, conforme informado pelo gabinete do magistrado, o currículo oficial atualizado está disponível no portal do tribunal.
Ajufe apóia a ida do desembargador
A indicação do desembargador Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) é vista como positiva pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Segundo o presidente da Associação, Eduardo André Brandão, a notícia foi bem recebida: “Nós, da Ajufe, ficamos muito felizes que o desembargador tenha sido indicado”, disse, ontem, em entrevista, ontem, ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília. O presidente da entidade concorda com os movimentos realizados por Kassio, até agora, de procurar os senadores. “Acho que ele ir procurar os senadores, ir conversar, é muito importante e mostra a seriedade com que ele encara essa sabatina. Acho muito positiva essa situação”, salientou.