Em meio à pressão internacional sobre a postura do governo brasileiro em relação ao desmatamento, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, resolveu ver a realidade de perto. Na manhã de ontem, fez um sobrevôo na região de Corumbá (MS), acompanhado de parlamentares integrantes de comissão externa do Senado que discute as queimadas no Pantanal, além do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB). De helicóptero, a comitiva monitorou os incêndios, assim como em 18 de setembro, quando houve visita às áreas atingidas em Poconé (MT), a 100 quilômetros de Cuiabá.
“É um movimento claro de união de esforços (do Legislativo, Senado, Poder Executivo, Governo Estadual) para que a gente possa planejar”, justificou Salles. O ministro disse, ainda, que a União tem atuado com recursos na região. “O governo federal fez aumento de brigadistas, trouxe aeronaves, mas precisamos ver o que é que pode ser feito a mais para o próximo momento.”
Para combater as chamas, foram destinados R$ 3,8 milhões ao Mato Grosso do Sul. Mas o fogo continua no estado, que vive uma situação de emergência, ambiental. Na região pantaneira de Corumbá, a temperatura ultrapassa os 40°C. “Nosso Mato Grosso do Sul, Mato Grosso em chamas… Mas nós contamos com apoio do governo federal, que não tem medido esforços para ser, antes de qualquer coisa, pragmático no combate a esses incêndios. Tanto os causados de forma dolosa, quanto culposa”, afirmou a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que acompanhou a visita.
Também na comitiva que sobrevoou a área e membro da comissão que analisa o tema, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que é importante não só pensar em conter os incêndios em curso, mas, também, evitar novos desastres ambientais. “Agora é hora do curativo. De unirmos forças, governo federal e estadual, para combater os incêndios. Mas, também, estamos aqui, representando a comissão, para pensar na aplicação da vacina. Para que, no ano que vem, isso não se repita e tenhamos uma estrutura necessária para que o Pantanal não volte a queimar”, disse.
Simone Tebet é responsável pela apresentação do requerimento que cobra do ministro do Meio Ambiente dados sobre o número e verba arrecadada com multas aplicadas desde 2015 pelo Ibama durante ações de fiscalização em prol à preservação de cada bioma brasileiro, com destaque para Amazônia e Pantanal. “Há necessidade de um maior refinamento dos dados, com divisão por biomas, e divulgação do montante de multas lançadas, pagas e sendo discutidas judicialmente, a fim de que se possa entender as características das condutas delituosas (...), bem como a capacidade de fiscalização do Ibama”, escreveu a senadora no requerimento, que ainda cobra transparência das informações.
Salles tem 30 dias para explicar a aplicação de multas. O descumprimento do prazo pode levar o ministro a responder por crime de responsabilidade. Ele também foi convidado a comparecer à audiência pública sobre o tema no Senado, mas a participação não é obrigatória. Dados do Ibama dão conta que o fogo no Pantanal já devastou 3,4 milhões de hectares, o equivalente a 23% da área do bioma. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a região bateu recorde histórico de queimadas em setembro, com 8.106 focos de calor, o maior número contabilizado desde o início do monitoramento, em 1998. Por isso, o ministro do Meio Ambiente tem sido pressionado pelos parlamentares a dar explicações sobre a reação do governo diante do problema.
“Revogaço” no Conama
Enquanto o Pantanal e a Amazônia sofrem com as chamas provocadas pela junção de uma estiagem e ações criminosas, a decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em revogar regras que garantiam proteção ambiental de restingas e manguezais virou tema de embate judicial. A Justiça Federal do Rio de Janeiro chegou a suspender provisoriamente a decisão do conselho, mas, na última sexta-feira, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região derrubou a liminar, fazendo valer as aprovações iniciais.
Duas resoluções revogadas estão no centro do debate. A 302, que fala sobre preservação de áreas, numa faixa mínima de 30 metros ao redor de reservatórios de água, e proíbe a exploração desse espaço para qualquer uso econômico ou habitacional; e a 303, que dita instrumentos para proteger os manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, passando a considerá-los áreas de preservação permanente.
A conduta do Conama é condenada por organizações ambientalistas. O Greenpeace Brasil afirmou, em nota, que a ação, chamada de “revogaço”, abre brechas para que Salles prossiga na desregulamentação da proteção ao Meio Ambiente. “O governo é inimigo da coletividade e que governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, imobiliários e industriais, por meio de revogações que promovem redução nos limites de proteção de restingas e mangues, flexibilização do regramento para licenciamento de irrigação e abertura de brechas para a queima de resíduos de agrotóxicos”, acusou a organização não governamental (ONG).
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que reúne promotores e procuradores da área, emitiu outra declaração de repúdio. A presidente, Cristina Seixas Graça, alega descumprimento da lei. “O regime jurídico da proteção especial jamais poderia ser revogado ou reduzido, nem por força de lei, quanto mais por decisão administrativa de um colegiado com vício de representatividade da sociedade civil, e sem uma prova técnica cabal que justifique.”
Parlamentares do Senado e da Câmara foram ao Supremo para pedir que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução ou que ela seja suspensa a fim de que os temas sejam analisados. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou que o ministro Ricardo Salles preste informações sobre a revogação.