A equipe econômica do governo voltou a entrar em conflito com o presidente Jair Bolsonaro e sua nova base aliada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, refutou a ideia de que o dinheiro destinado para o pagamento de precatórios, que são dívidas de ações judiciais da União, seja usado como fonte de financiamento do Renda Cidadã, iniciativa que deve substituir o Bolsa Família a partir de janeiro de 2021.
Ontem, em uma tentativa de acalmar os mercados, que consideraram a alternativa uma espécie de “calote” e reagiram mal à proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais, o ministro quis marcar posição e ponderou que não é possível custear um programa social “com um puxadinho”.
Além disso, Paulo Guedes defendeu, mais uma vez, que a classe política deveria lançar o Renda Cidadã reunindo vários projetos em um só, em uma tentativa de emplacar as velhas propostas que tinham sido descartadas pelo próprio Bolsonaro. O grande desafio é conseguir uma receita para custear o programa, pois não há espaço no Orçamento de 2021 para novas despesas sem descumprir o teto de gastos.
Segundo Guedes, os precatórios não representam uma saída adequada para o impasse orçamentário que envolve a criação do programa social. “Não é regular. Não é uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível”, avaliou o ministro. Ele também defendeu “um programa social robusto, consistente e bem financiado”. “Como é uma despesa permanente, tem que ser financiado por uma receita permanente. Não pode ser financiado por um puxadinho, por um ajuste. Não é assim que se financia o Renda Brasil. É com receitas permanentes”, acrescentou o chefe da equipe econômica, durante entrevista coletiva para comentar os números de desemprego no país (Leia mais na página 7).
O ministro, inclusive, citou o argumento usado pelo PT quando criou o Bolsa Família, que foi o resultado da fusão de programas sociais do governo do PSDB. “Da mesma forma, agora, podemos juntar 27 programas sociais. Dá uma calibragem adicional, para que seja um pouso suave, um local de aterrissagem do auxílio emergencial”, defendeu Guedes.
Fora das negociações
O chefe da equipe econômica admitiu que o governo pretende rever essa despesa com precatórios, porque há um crescimento na despesa, mas não para o financiamento de um novo programa. “Não se trata de buscar recurso para financiar Renda Brasil, muito menos com dívida, que é líquida e certa. Temos o direito de examinar do ponto de vista de controle de despesas. O exame não é, jamais, para financiar programa A ou B”, destacou. A fala do ministro, apesar de agradar ao mercado, também foi vista com desconfiança por especialistas, porque Guedes estava ao lado de Bolsonaro e do senador Marcio Bittar (MDB-AC), responsável por construir o novo programa, quando a proposta do Renda Cidadã foi anunciada no início da semana.
Na ocasião, o ministro não se pronunciou contra o uso de precatórios para financiar a iniciativa que vai suceder o Bolsa Família. E, nas últimas conversas de Bittar com líderes e integrantes do governo para finalizar a proposta do Renda Cidadã, Guedes não participou, em um claro sinal de que estava sendo escanteado novamente. O senador está cada vez mais alinhado com Bolsonaro e não poupa elogios ao presidente quando tem oportunidade. Bittar também procura afirmar que é um liberal, porém, conservador e que, assim como o chefe do Executivo, “está preocupado com os 10 milhões de brasileiros que estarão sem renda a partir de janeiro de 2021”.
Bittar prometeu apresentar ontem os detalhes do Renda Cidadã no relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos que devem ser acionados no caso de descumprimento do teto de gastos. Ele também pretendia apresentar, em separado, o relatório da PEC do Pacto Federativo. Após a declaração de Guedes, contudo, não havia uma previsão de quando o texto ficará pronto. O senador participou de reunião marcada no fim do dia com o presidente, líderes e Guedes. Procurado, Bittar não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Na avaliação do especialista em contas públicas, Gil Castello Branco, essa confusão no governo está mais para uma “Torre de Babel”. “Cada um fala um idioma. O vice-líder do governo sai de uma reunião com o presidente da República e diz que os precatórios seriam fonte de recursos para o Renda Cidadã. O ministro Paulo Guedes, após ver a repercussão negativa do primeiro anúncio, agora diz o contrário. É por essas e outras que o real é a moeda que mais se desvalorizou dentre os países emergentes, os juros futuros estão em alta, já há fuga expressiva de capitais, a Bolsa opera abaixo de 100 mil pontos e a inflação está em processo de reaceleração”, avaliou.