ENTREVISTA

"Vacina não pode ser objeto de visão ideológica ou partidária", diz Doria

Governador de São Paulo critica Bolsonaro por ter suspendido a compra da CoronaVac e afirma que vacina "não pode ser objeto de visão ideológica ou partidária". Ele diz acreditar que a Anvisa, responsável por validar o produto, agirá de forma independente, com base na ciência

Israel Medeiros*
Denise Rothenburg
Bruna Pauxis*
postado em 22/10/2020 06:00
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não economizou nas críticas ao presidente Jair Bolsonaro por ter suspendido a comprar de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Com a decisão, o chefe do Executivo desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que, na terça-feira, anunciou a intenção de adquirir o imunizante. Para não dar holofotes a Doria, o comandante do Planalto optou por rejeitar a compra.

“Em menos de 12 horas, o presidente Bolsonaro desautorizou o ministro, agiu com violência e autoritarismo, contrariou a ciência e trouxe uma discussão que não deveria existir. Vacina não pode ser objeto de visão ideológica ou partidária”, destacou o tucano, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.

Doria também rebateu as afirmações de Bolsonaro de que não compraria um imunizante que não tem eficácia comprovada cientificamente. “É considerada (a CoronaVac), uma das vacinas mais promissoras do mundo. Agora, eu pergunto: e a cloroquina? Quem recomendou a cloroquina? Foram médicos, os cientistas? E o presidente da República recomenda, abertamente a cloroquina. Aliás, ofereceu para a ema do Palácio da Alvorada. Nem a ema quis aceitar. Então, que colocação é essa, de que não está comprovada a eficácia?”, disparou.

O chefe do Executivo paulista disse acreditar que, até janeiro de 2021, a vacina estará aprovada e pronta para a produção. “A Anvisa disse que fará todas as análises no melhor tempo e no menor tempo, de maneira que reflete claramente o interesse de agilizar os procedimentos, dada a circunstância de que estamos numa pandemia”, ressaltou. “A cada dia sem a vacina, cerca de 700 brasileiros perdem a vida. São três aviões grandes lotados de pessoas caindo todos os dias e matando os seus ocupantes.”

Doria foi, ontem, ao Congresso tratar da vacina com parlamentares. Ele também se reuniu com o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra. É o órgão que dará ou não o aval à vacina do Butantan e às outras três em fase de testes no Brasil.

Bolsonaro desautorizou o ministro Pazuello e cancelou o processo para a aquisição de 46 milhões de doses da vacina da Sinovac. Como ficou a imagem do país internacionalmente?

Ficou péssima. É uma atitude equivocadíssima do presidente Jair Bolsonaro. Lembrando que ele já demitiu outros dois ministros e agora desautoriza o terceiro, que tem trabalhado muito bem. Ontem (terça-feira), com a presença de 24 dos 27 governadores e de todos os secretários do ministério participando, Pazuello fez uma ponderação dizendo que as vacinas salvam vidas e que isso é o que ele quer. Ele não está preocupado com a origem das vacinas, mas com a eficácia. Assinou o compromisso de aquisição dos 46 milhões de doses da vacina do Butantan, que, neste momento, é a mais promissora. Em menos de 12 horas, o presidente Bolsonaro desautorizou o ministro, agiu com violência e autoritarismo, contrariou a ciência e trouxe uma discussão que não deveria existir. Vacina não pode ser objeto de visão ideológica ou partidária.

Ele disse que a vacina não tem eficácia comprovada. Isso é verdade?

Não é verdade, ou não estaria na terceira fase de testes. É considerada uma das vacinas mais promissoras do mundo. Aqui no Brasil, são cerca de 13 mil voluntários concluindo essa última etapa, com acompanhamento diário da Anvisa. Agora, eu pergunto: e a cloroquina? Quem recomendou a cloroquina? Foram médicos, os cientistas? E o presidente recomenda a cloroquina. Aliás, ofereceu para a ema do Palácio da Alvorada. Nem a ema quis aceitar. Então, que colocação é essa, de que não está comprovada a eficácia? A vacina está caminhando para a aprovação.

Há receio de que a Anvisa demore para autorizar a produção das vacinas. Essa é uma questão que tem sido politizada?

Saímos bastante satisfeitos e confiantes dessa reunião com a Anvisa. O bom sentimento é de que a Anvisa cumprirá seu papel como agência reguladora independente. O presidente Antonio Barra disse: ‘Aqui, nós não nos submetemos à política, a decisões pessoais, ideológicas, partidárias ou eleitorais. Aqui, nós nos submetemos à ciência’. Colocou isso de forma muito clara. Então, não temos razão para duvidar de que a Anvisa cumprirá seu papel.

O senhor chegou a anunciar que a vacina começaria a ser aplicada em 15 de dezembro deste ano, mas depois voltou atrás. Qual é a nova data?

A Anvisa disse que fará todas as análises no melhor e no menor tempo, de maneira que reflete claramente o interesse de agilizar os procedimentos, dada a circunstância de que estamos numa pandemia. A cada dia sem a vacina, cerca de 700 brasileiros perdem a vida. São três aviões grandes lotados de pessoas caindo todos os dias e matando os seus ocupantes. Tínhamos a previsão para o mês de dezembro. É ainda uma previsão otimista, mas eu diria, com muita convicção, que a partir de janeiro é bem possível que ela esteja aprovada e submetida aos protocolos da Anvisa para que ela possa ser aplicada e imunizar.

Mas podemos, efetivamente, ter esperança de uma vacina para o primeiro semestre de 2021?

Concretamente, sim. Os estudos nesta terceira fase estão bem avançados. Felizmente, não tivemos nenhuma intercorrência grave com a aplicação da vacina nos voluntários. São todos médicos e enfermeiros. E são 13 mil. É o maior número de pessoas em testagem das quatro vacinas que estão sendo testadas aqui no Brasil. São sete estados brasileiros, todos acompanhados por academia, ou é universidade federal, ou é universidade estadual de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, aqui no Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Portanto, estamos avançando bastante bem.

Bolsonaro comentou, hoje (ontem), que o senhor politizou o assunto ao dizer que a vacina seria uma das primeiras a serem aplicadas na população.

Não é verdade. O Butantan, embora seja em São Paulo, é do Brasil. A totalidade das vacinas do H1N1 foi produzida pelo Butantan. O que difere o Butantan da vacina contra a gripe do Butantan da vacina contra a covid? É o mesmo. E tem 120 anos. Eu não nasci há 120 anos, não criei o Butantan, não sou dono. É uma instituição científica de renome internacional, maior produtora de vacinas do Brasil e da América Latina. Quem politizou o assunto foi o presidente, e colocou ideologia contra os chineses. Eu lamento que ele continue nessa beligerância. É uma prática cotidiana de brigar, ofender, machucar.

Sobre a eleição à prefeitura de São Paulo, Bolsonaro já tem como candidato Celso Russomano, e você, Bruno Covas. A briga será entre Doria e Bolsonaro ou os candidatos estarão em primeiro plano?

Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro politizou algo que não deveria. Não acho que o presidente da República deveria se envolver em eleição municipal. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi presidente duas vezes e nunca se envolveu em eleição municipal ou pediu votos. Bolsonaro adotou o Celso Russomano como seu candidato, dizendo que era o candidato dele contra o Doria, esquecendo que quem concorre contra ele é o Bruno Covas, não eu. Então, o presidente nacionalizou uma campanha.

Essa campanha pode ser um esquenta para 2022?


Da nossa parte, não. Tem muito tempo até 2022. Temos ainda que governar, solucionar a crise do coronavírus com a vacina, salvar os brasileiros, retomar a economia e o emprego. Essa é a nossa prioridade.

O senhor citou o Congresso, e várias reformas estão represadas lá. Como o PSDB vai se comportar com a reforma tributária e a nova CPMF?

A nossa posição, do partido e minha: somos contra a criação de qualquer imposto. Não é hora de criar impostos. É hora de diminuir a máquina pública, fazer a reforma administrativa. Fizemos em São Paulo a muito custo. Foi o primeiro estado do país a fazer uma reforma administrativa face à diminuição da arrecadação. Eu quero esclarecer que tenho muito respeito pelo ministro Paulo Guedes (da Economia), mas estamos em campos diferentes quando se fala em criação de impostos.

E o teto de gastos? Não se sabe o que vai acontecer.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que não vai estender o estado de emergência além de 31 de dezembro deste ano. Ele está certo, não podemos viver em estado de emergência permanentemente. Bolsonaro tem de administrar o país, dialogar com o Congresso. Não podemos decretar uma emergência eterna para o Brasil e, muito menos, dizer o que ele disse recentemente: ‘Vou furar o teto, e daí?’ Aliás, ele gosta muito dessa expressão autoritária. Ele repetiu isso hoje (ontem). Não é assim, presidente Bolsonaro. Nós vivemos em uma democracia. Ele se esquece disso constantemente, de que estamos nesse sistema que, inclusive, o elegeu. Então, o governo não pode e não deve furar o teto. Nisso estou ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele diz que não vai furar o teto. Isso seria um desastre para o Brasil do ponto de vista da reação dos mercados internacionais. Afugentaria os investidores, colocaria a B3, a Bolsa em polvorosa. O dólar subiria, e teríamos um desastre econômico.

O que fazer, então, para não furar o teto e, ao mesmo tempo, conseguir pagar um programa social como o Renda Cidadã?

Reforma administrativa. Respeitar o pacto federativo, ter um bom diálogo com governadores, construir o país da unidade e não o país do confronto, como Bolsonaro insiste em fazer. É hora de somar vacinas para salvar vidas. Somar diálogo e entendimento para construir saídas econômicas por meio da reforma administrativa, bons entendimentos com os governadores para proteger e salvar o Brasil. Estamos caminhando para uma situação dramática, a pior imagem internacional da sua história, pior do que no tempo do governo Lula e Dilma, impressionante. A questão ambiental colaborou para isso. Se não tivermos um comportamento fiscal adequado, respeito pelos marcos jurídicos, um comportamento equilibrado de governo, perderemos totalmente a confiança de investidores internacionais.

Podemos prever uma disputa entre você e Bolsonaro em 2022?

Não é hora de falar sobre 2022, porque temos de administrar o momento, a crise, ter as vacinas, como a do Butantan, para salvar os brasileiros.

*Estagiários sob a supervisão de Cida Barbosa

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