O número de pessoas mortas em ações registradas como intervenção policial nunca foi tão grande no país. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, no ano passado, 6.375 pessoas morreram em ações do tipo, um aumento de 3,2% em relação a 2018. Desde 2013, quando o anuário passou a fazer o monitoramento, este número vem crescendo — e em relação ao ano inicial, o aumento foi de 188,2%.
No total, os dados de mortos nas ações representam 13,3% do total de mortes violentas registradas no Brasil em 2019. O estado com a maior taxa de mortalidade por intervenção policial é o Amapá, seguido pelo Rio de Janeiro e por Goiás. Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que produz o relatório, Samira Bueno explica que os dados de letalidade são “obscenos” e causam preocupação.
“Isso é um número que ultrapassa qualquer parâmetro internacional em relação ao uso da força policial. Mostra claramente o uso abusivo da força por parte das nossas polícias. Mas é importante destacar que isso não se distribui de forma homogênea no país. Se a letalidade traz números preocupantes, é um fenômeno que tem sido localizado nos estados. Nem todos os estados isso é um problema”, explica.
No Rio de Janeiro, 30,3% das mortes violentas intencionais foram causadas por policiais civis e militares. No Amapá, o percentual é de 29%; em Goiás, 23,5%. Já em outras regiões, a pesquisadora explica que a polícia produz menos morte. Em Pernambuco, por exemplo, o percentual é de 2,1%; no Distrito Federal, 2,2%.
Negros
As maiores vítimas de letalidade policial são os negros: 79,1% das vítimas de intervenções policiais em 2019 eram pretas ou pardas, enquanto 20,8% eram brancas. Este dado se mantém quando se observam os policiais civis e militares vítimas de crimes violentos letais intencionais (CVLI): o efetivo do país tem 53% de policiais brancos e 44,9% de policiais pretos e pardos. Mas quando se observa os policiais vítimas de crimes violentos, 65,1% deles são negros e 34,9% são brancos.
“É importante destacar que esse racismo se manifesta dos dois lados. Quem está de farda, os que mais morrem são pretos e pardos”, afirma Samira. Pesquisador do Fórum, Dennis Pacheco frisa que o fato de negros serem desproporcionalmente mais mortos por policiais é um dado que se repete ao longo dos anos.
“Tem se acentuado ao longo do tempo. A gente acompanha a série histórica e percebe que a polícia mata cada vez mais desproporcionalmente mais negros no Brasil. E aí a gente pode atribuir isso à associação da cultura e da estética jovem negra e periférica por parte das polícias à figura, estereótipo e imagem do suspeito padrão e a essa noção de fundada suspeita”, ressalta.
Segundo o anuário, a maior parte das vítimas (99,2%) são homens, e, em relação à faixa etária, a maior quantidade de vítimas tem menos de 25 anos. A maioria tem entre 20 e 24 anos (31,2%).
O estudo também mostrou que a maior parte das ações no país, com exceção do Rio de Janeiro, ocorre à noite (34,7%) e à tarde (27%). Já no caso do Rio, as ocorrências são registradas mais pela manhã (34,3%) e à tarde (26,7%).
Pandemia
Mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, este número cresceu: no primeiro semestre de 2020, as mortes provocadas por ações registradas como intervenção policial cresceram 6% em números absolutos em relação ao mesmo semestre do ano passado, vitimando 3.181 pessoas.
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