Eleições

Clã Bolsonaro tenta recuperar espaço na disputa por prefeituras de olho em 2022

Diante de um cenário incerto na capital fluminense e possível queda de braço com Doria, em São Paulo, clã Bolsonaro tenta recuperar espaço político na disputa pelas prefeituras de olho no pleito de 2022

Se, antes, o discurso do presidente Jair Bolsonaro era o de não se envolver, de forma alguma, nas eleições municipais, ele fala, agora, que poderá atuar em São Paulo, Manaus e Santos. “Se chegar a um ponto tal e eu achar que posso influenciar nessas três cidades, eu vou me manifestar”, disse. Sabe-se bem que o mandatário, ainda que não tenha citado o Rio de Janeiro, tem grandes interesses e se movimenta por meio dos filhos, principalmente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), para eleger um prefeito na unidade federativa — ação que se complicou após a decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, que tornou o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) inelegível até 2026.

A família havia perdido espaço no estado fluminense, principalmente na capital depois de Bolsonaro provocar um racha no partido que o acolheu para concorrer à Presidência da República, o PSL. A ala fiel à legenda ganhou força em todos os diretórios após uma curta disputa, e os bolsonaristas acabaram escanteados — o que se repetiu em São Paulo.

Flávio e o irmão, o vereador Carlos (Republicanos-RJ), em menor intensidade, trabalham nos bastidores para recuperar esse espaço, facilitado, agora, com a derrocada do governador afastado, Wilson Witzel. Fontes ouvidas pelo Correio afirmam que, para o clã, as prefeituras dos dois maiores estados do Sudeste brasileiro são mais importantes do que garantir um grande número de prefeitos e vereadores Brasil afora, o que, por outro lado, mostraria a verdadeira face da governabilidade de Jair Bolsonaro como chefe do Executivo.

Um adversário que preferiu não se identificar fala da retomada dos Bolsonaro. “Eles perderam um pouco de espaço quando brigaram com o grupo que assumiu o PSL do Rio, mas, agora, estão retomando. Para eles, o Rio é simbólico. Se eles ganham no Rio as prefeituras que apoiam, é um simbolismo para o Brasil. A artilharia vai ser pesada. No Rio e em São Paulo, eles não podem perder.” Para alguns, o resultado de 2020 nada mais é do que a preparação para 2022. “Eles têm que ganhar a maioria das prefeituras para dar exemplo no Brasil, dizer que não perderam a força”, afirma outro político da região.

O 01 (Flávio), dizem adversários, é habilidoso, fazendo acordos nos bastidores sem, no entanto, deixar sobressair seu nome. A arma secreta, claro, é o sobrenome. A prefeitura mais desejada pela família, a da capital, depende do recurso da defesa de Crivella para que ele concorra — e, ainda assim, correndo o risco de ter o pedido negado pela instância superior às vésperas das eleições. Depois da definição do TRE, a situação é vista como muito indefinida. Uma coisa é clara: a decisão do apoio dos Bolsonaro caberá a Flávio.

Há, na cidade, um “pesselista” bolsonarista na disputa, o deputado federal Luiz Lima, que seria a única outra opção. O cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Geraldo Tadeu avalia que o candidato do PSL cultiva relações com os Bolsonaro. No entanto, tal situação seria muito complicada: Flávio e Carlos são do Republicanos e deixar o prefeito implicaria em romper acordos políticos já firmados.

“É difícil dizer qual seria a melhor opção”, afirma Tadeu, frisando que não haveria outro cenário para o grupo na capital, que tem no páreo Eduardo Paes (DEM), a deputada estadual Martha Rocha (PDT) e a deputada federal Benedita Silva (PT). “O bolsonarismo é um movimento político altamente ideológico. Então, não dá para apoiar qualquer candidato. É uma decisão difícil, mas eles não têm opção de compor com outro candidato”, avalia.

Em São Paulo, Bolsonaro resolveu apoiar Celso Russomanno (Republicanos) — ainda que não seja explícito, o aval ficou evidente, principalmente, depois da candidatura ser lançada com um vice do PTB, partido de Roberto Jef ferson, aliado do presidente. Nesta semana, Bolsonaro ainda publicou na sua conta no Twitter um vídeo de Russomanno rebatendo críticas do deputado federal Kim Kataguiri (DEM).

Para o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Antônio Carvalho Teixeira, a última pesquisa Datafolha deve fazer o candidato do Republicanos repensar o apoio. O levantamento mostrou que 46% dos paulistanos rejeitam o trabalho do presidente. De acordo com Teixeira, é possível que, havendo apoio declarado, a disputa seja entre Bolsonaro e João Doria — cujo candidato é Bruno Covas (PSDB). “Se Bolsonaro intervir em São Paulo, ele pode criar uma polarização e, em um eventual segundo turno, Covas vire antibolsonarista — que é o que o Covas quer”, avalia. Segundo o especialista, Russomanno tem chance de garantir o segundo turno ao lado de Bolsonaro, “mas vencer é outra história”.

 

Força eleitoral

Professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Urizzi Cervi afirma que, apesar das declarações de não participar do pleito, é impossível — e não faria sentido algum — que o presidente da República fique de fora. “Ele pode até dizer que não participará publicamente, mas os filhos estão atuando nos estados de maneira direta, representando o pai nas negociações”, opina.

Cervi acredita que o pleito será usado como “eleição de meio termo”, para medir a força eleitoral que Bolsonaro possui, vislumbrando 2022. Conforme o professor, os candidatos com nomes ligados ao presidente assim continuarão, para o bem ou para o mal, ainda que Bolsonaro não fale abertamente. “Pesquisas mostram que a avaliação positiva do Bolsonaro tem crescido no interior por causa do auxílio emergencial, mas não nas grandes cidades. Esses candidatos ligados a ele nesses lugares podem ter problema”, diz. 

Entorno cobiçado

A disputa pelas prefeituras do Entorno do Distrito Federal será acirrada. E, como no quadro nacional, partidos mais tradicionais devem perder espaço. Dos 100 candidatos a prefeito registrados, conforme o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até ontem, 10 são do DEM; oito, do Podemos; sete, do MDB; e sete, também, do PT. Já o PSDB tem apenas cinco candidatos.

Nas quatro maiores cidades da região — Águas Lindas, Luziânia, Valparaíso e Formosa —, só uma apresenta candidato tucano: a deputada estadual Lêda Borges, que disputa a cadeira em Valparaíso, município de 168 mil habitantes. Borges tem o prefeito Pábio Mossoró, do MDB, como opositor.

A região do Entorno, com 1,3 milhão de habitantes — Goiás tem 7 milhões —, é muito cobiçada e tem ampla disputa de deputados federais. Um dos parlamentares que se movimentam na região é Célio Silveira (PSDB), de Luziânia. Apesar de ser tucano, em Valparaíso, ele apoia o nome do MDB. Silveira admite a perda de espaço do PSDB no estado e na região. “O partido está dificuldade nacionalmente, e não é diferente no Entorno”, afirma. Ao todo no estado, a legenda está em terceiro lugar no ranking de número de candidatos, enquanto o DEM, do governador Ronaldo Caiado, lidera.

Enfraquecido
Doutor em ciências políticas e especialista em comportamento eleitoral, Robert Bonifácio avalia que o PSDB deve perder ainda mais força nestas eleições, e a lógica deve se repetir especificamente na região do Entorno. O DEM, por outro lado, deve ganhar terreno. O cientista aponta que há um interesse de Caiado em se estabelecer politicamente na região.

Ele explica que o interesse eleitoral dá-se pela pouca representação política local, além do contingente populacional. Conforme Bonifácio, há ainda o fator social: a região fica distante da capital e próxima de Brasília, e vive uma realidade de alto índice de violência, o que eleva a estatística do estado goiano. Por isso, há sempre interesse dos políticos de levar benfeitorias e estruturas de Goiás à região. (ST e LC)