Investigado no inquérito das "rachadinhas" e apontado pelo Ministério Público do Rio como funcionário "fantasma" do antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o coronel da reserva Guilherme dos Santos Hudson pagou R$ 38 mil em dinheiro por um terreno em Resende, em 2008. Os vendedores foram o então deputado federal Jair Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, sua segunda ex-mulher. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante corresponderia hoje a R$ 71 mil.
O imóvel tinha sido adquirido por Bolsonaro e Ana Cristina em novembro de 2003, pelo mesmo valor que o venderam após a separação, sem reajuste por valorização do terreno ou pela inflação de 28,76%, segundo o IPCA - o que equivaleria a pouco mais de R$ 10 mil. O documento não informa se houve sinal antecipado, nota promissória ou dívidas para pagamentos futuros.
A escritura da compra, obtida pelo Estadão, registra o pagamento em "moeda corrente do país, contada e achada certa" — denominação usada quando a aquisição é feita em dinheiro, segundo advogada consultada pela reportagem. O imóvel fica num condomínio em Resende, cidade em que vive a família de Ana Cristina. Foi lá, na década de 1970, que Hudson e Bolsonaro serviram juntos na Academia Militar das Agulhas Negras.
A propriedade fica no condomínio Limeira Tênis Clube. Tem piscina, spa, sauna, bar, salão de festas, campo de futebol e quadras de esportes. Duas propriedades com o mesmo tamanho - cerca de 560 metros quadrados - são vendidas em sites de compra e venda de imóveis por R$ 430 mil e R$ 480 mil. Procurados por meio de seus advogados, Hudson e a mulher não quiseram se manifestar. O presidente Bolsonaro informou, por meio da assessoria, que não vai se posicionar. Ana Valle não respondeu.
Na investigação sobre as "rachadinhas" (apropriação de parte do salário dos servidores), o MP do Rio afirma que, em dezembro do ano passado, o coronel da reserva sacou R$ 15 mil, equivalente a 74% dos valores recebidos durante os dois meses em que esteve lotado no gabinete de Flávio, em 2018. Isso corrobora, segundo a Promotoria, a versão de que ele repassava os valores recebidos para seus chefes. Ana Maria, por sua vez, sacou R$ 430 mil, 43% dos rendimentos que teve como servidora do gabinete.
A investigação que cita o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) por supostamente empregar funcionários "fantasmas", atinge um filho e duas noras do coronel, além dele próprio, mesmo sem ter sido funcionário do parlamentar. Em 30 de outubro do ano passado, com a apuração do MP já aberta, o oficial da reserva e seu filho Guilherme de Siqueira Hudson compareceram ao gabinete de Carlos na Câmara Municipal. Uma semana depois, prestaram depoimento ao MP, conforme revelou o jornal O Globo.
No pedido de medidas cautelares apresentado à Justiça em dezembro do ano passado, na investigação sobre as "rachadinhas", o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) inseriu uma tabela com saques em espécie feitos pelos parentes de Ana Cristina quando estavam lotados na Alerj: 86% do que receberam, um total de R$ 4 milhões.
Bolsonaro e Ana Cristina ficaram juntos entre 1997 e 2008, quando se separaram de modo conflituoso. Em julho, a revista Época mostrou que, enquanto esteve junto, o casal adquiriu 14 imóveis, cinco deles em dinheiro. Um deles é o que foi vendido para Hudson.
A prática de comprar apartamentos pagando em espécie não é crime, mas é apontada por órgãos de controle como suposto indício de lavagem de dinheiro. É isso que o MP do Rio investiga, entre outros supostos crimes.
"Todas as operações financeiras do senador Flávio Bolsonaro e de seus familiares estão dentro da lei. As informações sobre as compras e vendas de imóveis foram detalhadas junto ao Ministério Público e todos os esclarecimentos já foram dados", afirmou o senador, em nota. Carlos Bolsonaro não respondeu. Ontem, o Estadão mostrou que o vereador também comprou um imóvel em dinheiro vivo, um apartamento de R$ 150 mil na Tijuca, quando tinha 20 anos.