Desde que o presidente Jair Bolsonaro começou a mudar sua interlocução com o Congresso Nacional, há cerca de cinco meses, trocando cargos com os partidos do Centrão em busca de um apoio mais consolidado no parlamento, a articulação do governo com deputados e senadores não tem poupado nem mesmo os representantes da oposição.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável por fazer a ponte do Executivo com o Legislativo, liga frequentemente para congressistas da esquerda. O objetivo, claro, é tentar reunir mais votos em torno dos projetos que são de interesse do Palácio do Planalto. No contato, o general ainda tenta convencer a oposição a não fazer nenhum tipo de articulação contra Bolsonaro.
As ligações, de acordo com um dos parlamentares que faz oposição ao governo, em sua maioria, partem do gabinete do próprio ministro. Segundo este congressista, Ramos tem se empenhado tanto em abrir um canal de diálogo com a oposição que mobilizou as lideranças do governo dentro do Congresso a também sondarem deputados e senadores de esquerda.
Por mais que esse tipo de interlocução cause estranheza, o “assédio” do ministro e da base bolsonarista no parlamento aos partidos rivais do presidente já rendeu vitórias importantes para o governo. No mês passado, quando o Senado decidiu derrubar o veto de Bolsonaro ao reajuste salarial de algumas categorias do funcionalismo público até o fim de 2021, o Executivo recorreu até a deputados de oposição para que a Câmara votasse diferente. Deu certo: por 316 a 165, o veto foi mantido.
“Nunca tinha visto o governo se articular, conversar, abrir diálogo com a oposição daquele jeito. Me chamou atenção, principalmente, o fato de ter havido uma abertura por parte dos deputados que não são governistas. Muitos que tinham se comprometido com as categorias a votarem pela derrubada do veto acabaram sendo influenciados a mudar o voto e assim o fizeram”, destaca outro deputado da oposição.
O parlamentar acrescenta que o mesmo tipo de sondagem foi feito antes de o plenário da Câmara levar à votação o projeto de lei que propunha um novo marco regulatório do gás. De novo, vitória para o governo: o texto passou com os votos favoráveis de 351 deputados, contra 101 rejeições.
A oposição, por sua vez, também conseguiu tirar proveito da aproximação de Ramos. Durante as discussões do novo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o general ouviu dos parlamentares da esquerda os motivos pelos quais a proposta deveria ser aprovada, visto que Bolsonaro nunca se mostrou muito favorável à continuidade do projeto. O presidente acabou convencido, e o texto passou tanto pela Câmara quanto pelo Senado.
Para um dos vice-líderes da oposição na Câmara, Tadeu Alencar (PSB-PE), muitas vezes o governo pode até não conseguir alterar posição da oposição, mas, a partir do momento em que abre o diálogo com a esquerda, dá o sinal de que está seguindo algumas regras do jogo político, no qual tentar entrar em consenso é melhor do que impor ordens.
“A função do ministro Ramos obriga, necessariamente, uma interação com o ambiente parlamentar, desde que seja em torno de questões de interesse do país e da população, até para diminuir a resistência”, opina. “A oposição não tem número para aprovar uma questão contra os interesses do governo, mas ela dá muito trabalho quando se articula adequadamente. Portanto, vejo com naturalidade isso que está acontecendo, e até como desejável, desde que esteja em jogo não o varejo da política ou a troca de apoio baseado em instrumentos”, diz Alencar.
Estratégia
Para a advogada Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a mudança radical de conduta do presidente sinaliza para uma estratégia de médio prazo, no sentido de minimizar os conflitos institucionais. Segundo ela, a ideia é angariar simpatia dos líderes das duas Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Bolsonaro viu-se obrigado a se tornar o político que agrada aos caciques que já deitaram raízes em seus respectivos estados. O presidente precisa estreitar laços com os velhos políticos, visando, desde já, dois objetivos igualmente importantes e sobretudo sensíveis: a necessidade de evitar a aprovação de um possível pedido de impeachment e angariar o seu apoio para a futura campanha eleitoral de 2022, quando pretende ser reeleito”, ressalta.
Dessa forma, de acordo com Chemim, Bolsonaro não vai medir esforços para doar cargos aos partidos políticos que constituem a maioria na Câmara e no Senado, além de fazer concessões e deferências que forem necessárias para atingir seus objetivos. Ao mesmo tempo, Bolsonaro deve acenar para as classes desfavorecidas, com obras de infraestrutura no Nordeste, por exemplo, as quais ele faz questão de inaugurar e se fazer presente perante a população.
“Diante de tantas mudanças comportamentais e a crescente popularidade que tem alcançado em pesquisas recentes, Bolsonaro começa a colher frutos da relação e terá êxito nas próximas eleições, a menos que haja alguma alteração no cenário político que venha prejudicar o seu objetivo”, opina.