Apesar de diversas estatísticas e da opinião pública internacional indicarem o oposto, o presidente Jair Bolsonaro acredita que o Brasil está de “parabéns” quando o assunto é preservação ambiental. Bolsonaro elogiou a situação ambiental brasileira durante inauguração da usina Fotovoltaica Coremas III, em Coremas (PB). A avaliação do mandatário diverge frontalmente do diagnóstico de especialistas. “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente e alguns não entendem como é o país que mais sofre ataques vindos de fora no tocante ao seu meio ambiente. O Brasil está de parabéns na maneira como preserva esse seu meio ambiente", disse o chefe do Executivo.
Mais tarde, em Brasília, durante a transmissão de live semanal, Bolsonaro voltou ao assunto. E disse que existem interesses comerciais nas críticas sobre ao governo e a política ambiental. “O Brasil é campeão de energia renovável. O pessoal fala muito. O próprio brasileiro critica, sem conhecimento, critica, né? O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente. Aproximadamente 80% a 85% da nossa energia consumida no Brasil é energia limpa, ao contrário do mundo, que está na casa dos 70%, 80% mas de energia de fóssil, em especial, de carvão. Então, o Brasil está de parabéns no tocante a isso. Logicamente, é potencializado o que acontece aqui no Brasil de forma negativa porque nós concorremos com produtos do campo no mundo todo. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos”, destacou o mandatário.
No mesmo dia que Bolsonaro parabenizou o país pela preservação ecológica, o Pantanal atingiu um novo recorde de devastação. O bioma contabilizou a marca de 5.603 focos de calor. É o pior índice registrado em setembro desde 2007, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Discurso na ONU
No próximo dia 22, o presidente Bolsonaro discursará na 75ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Além de expor as ações para conter a pandemia de covid no Brasil, ele deve responder às críticas que o governo tem sofrido em razão dos índices de queimadas na Amazônia e no Pantanal. É uma maneira de tentar convencer governos, investidores e a opinião pública internacional de que o país está comprometido com a causa ambiental.
O vice-presidente Hamilton Mourão também tenta, por sua vez, melhorar a imagem chamuscada do Brasil. Depois de ter recebido uma carta na qual oito países europeus afirmam que “a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, o vice-presidente anunciou que o governo planeja para outubro uma viagem de embaixadores à Amazônia. A intenção é fazer um passeio pelo local e mostrar que a situação não estaria assim tão crítica. Mourão apontou, também, que o Itamaraty conversará com representantes da embaixada da Alemanha, que encabeça a lista de países signatários da carta.
Para Roberto Goulart, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Sobre os Estados Unidos, o desmonte da política ambiental no Brasil só não foi maior em razão da pressão contrária ao retrocesso. “Em outubro de 2018, no início do governo de transição, o governo Bolsonaro considerava extinguir o Ministério do Meio Ambiente. Recuou porque o setor que o apoia diretamente, o setor do agronegócio, sofreu muita pressão. O governo Bolsonaro já começou com essa ideia. Agora, vemos a manutenção de um ministério esvaziado ou colocado na posição de uma agenda antiambiental. Há, ainda, a recriação, em novo formato, do Conselho da Amazônia pelo governo Bolsonaro. Foi feita sem a participação de nenhum prefeito ou governador da Amazônia, só por aqueles que têm a mesma posição do governo. Bolsonaro achou que isso não teria nenhuma consequência”, observa Goulart.
Na avaliação de Maurício Michael Francelino, presidente da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OCISP) e do Projeto Gaiola Aberta, o Brasil enfrenta problemas com preservação ambiental há mais de 40 anos. “Nós não somos excelência em relação à preservação do meio ambiente, não só devido ao presidente Bolsonaro e aos seus ministros, quem for que seja. Isso vem se arrastando ao longo do tempo”, critica o ambientalista.
Francelino defende uma reforma completa na política ambiental. “Não existe política ambiental no país, precisa ser feita uma reforma. Eu acho que isso tem que ser mútuo. O presidente sozinho não pode fazer muita coisa. Não adianta ele colocar lei, querer dar posse para agricultor para tomar conta da terra, ser responsável pela terra, dizer que se acontecer focos de incêndio e desmatamento a pessoa será responsabilizada diretamente, se nada passa, se ninguém aprova, se ninguém muda o código ambiental, se ninguém acaba com essas instituições fraudulentas”, protestou.
De janeiro até 15 de setembro, foram registrados 67.290 focos de queimadas na Amazônia, 39.753 focos no Cerrado e 15.756 focos no Pantanal, segundo dados do Inpe.
Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza