Se antes o que se observava no Rio de Janeiro era uma disputa clara entre o atual prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos), e o antecessor Eduardo Paes (DEM), o cenário mudou com os escândalos das últimas semanas. Começou com uma reportagem da TV Globo que mostrou esquema com servidores da prefeitura que iam a portas de unidades de saúde atrapalhar jornalistas que denunciavam problemas na área. No dia seguinte, a Polícia Civil realizou uma operação para apurar o fato.
Somado a isso, na semana passada, o prefeito foi alvo de busca e apreensão em operação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) no âmbito de inquérito que apura esquema de corrupção e possível organização criminosa na administração pública. No caso de Paes, ele tornou-se réu em uma investigação de corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público Eleitoral e é relativa a fatos de 2012, com acusação de caixa dois recebido de executivos da empreiteira Odebrecht. Ele também foi alvo de busca e apreensão.
Para completar, a candidata e ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, foi presa preventivamente na sexta. A investigação do MP-RJ apura suspeita de corrupção entre 2013 e 2018 envolvendo fraude licitatória com recebimento de propina que variava entre 5% a 25% do valor do contrato.
Para o cientista político Ricardo Ismael, doutor em ciências políticas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e professor da PUC-Rio, até então Paes liderava as pesquisas e era seguido por Crivella, que, apesar dos desgastes acumulados, ainda estava bem colocado. Depois apareciam Benedita (PT), Renata Souza (PSol) e Martha Rocha (PDT), em uma esquerda dividida, na avaliação do professor, além da ex-juíza Glória Heloiza (PSC), que tenta se desligar da imagem do governador afastado Wilson Witzel. Segundo Ismael, agora os adversários terão munição no debate contra os candidatos mais fortes.
Mas, para o professor, é preciso acompanhar como será a repercussão na sociedade. “A denúncia do Paes é antiga, e isso pode enfraquecê-la. A do Crivella é muito recente, não tem nem denúncia. Isso reduz o impacto, mas os adversários vão martelar nisso. É claro que gera um desgaste, mas não me parece um ferimento mortal, uma coisa que tivesse definido a inviabilidade das candidaturas”, avalia. Para ele, somando o recente caso envolvendo Witzel, a quantidade de eleitores votando branco e nulo no primeiro turno deve aumentar, devido ao grau de desconfiança. De qualquer forma, isso também tende a beneficiar os que são mais conhecidos.
Aposta na rejeição
Há meses, analistas apontam que o assunto coronavírus seria o principal ponto de debate nas eleições deste ano. O Rio de Janeiro não fugia à regra — até os últimos acontecimentos relativos à corrupção que envolveram, também, o governador Witzel.
Professor de direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e cientista político, Michael Mohallem afirma que o tema corrupção deve se sobrepor à agenda de covid-19. Mohallem afirma que o PSol é uma legenda que vem crescendo no país, ocupando um espaço da esquerda que foi deixado pelo PT, mas afirma que, no Rio, o grande candidato sempre foi Marcelo Freixo, que não quis disputar (apesar de boatos recentes de que isso poderia mudar). A atual candidata, Renata Souza, segundo ele, ainda não tem a força política esperada pela legenda para ir ao segundo turno.
No caso de Martha Rocha, o professor avalia que deve conseguir pegar alguns votos de Paes, um candidato que, para Mohallem, captura parte da rejeição de Crivella, com uma capacidade grande de absorção do chamado voto útil. De acordo com ele, o cenário na capital carioca é também fragmentado, mas não tanto quanto em SP. Isso porque, mesmo com as denúncias, Paes e Crivella, que têm seu próprio eleitorado e apoio sólido de evangélicos, continuam com expressividade.
O cientista político comentou, ainda, a presença de Cristiane Brasil no pleito, que, para ele, não chegaria ao fim mesmo antes da prisão. Conforme o professor, o nome está entre aqueles que lançam candidaturas apenas para “aumentar o cacife da negociação partidária, para negociar participação do governo, recursos para campanha”.