Enfraquecida com a recente saída do procurador Deltan Dallagnol, a operação Lava-Jato, deflagrada há seis anos, ganhou sobrevida, ao menos, pelos próximos quatro meses. A força-tarefa da Curitiba, local que concentra a maior quantidade de casos, e que ainda tem ações em andamento, foi renovada até janeiro de 2021 pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Embora a decisão do chefe do Ministério Público Federal (MPF) não tenha sido a pior, entre as que eram esperadas, manda um mau sinal para os procuradores do Paraná. Aras poderia ter autorizado a manutenção dos trabalhos por mais um ano, mas optou por garantir apenas um terço do período. Processos disciplinares contra integrantes da força-tarefa na capital do Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo podem minar o futuro da operação, que pode não alcançar seu sétimo ano.
Nos corredores do Ministério Público Federal, falava-se que a equipe baseada em Curitiba poderia ser mantida por, pelo menos, seis meses, com a redução no número de integrantes. Os 14 procuradores que foram destacados para atuar na operação foram mantidos. Dois deles são procuradores regionais, e precisam de aval do Conselho Superior do MPF para permanecer no posto atual. A tendência é de que o conselho permita, pois, no colegiado, o grupo pró-Lava-Jato é maioria. Ao mesmo tempo, em uma decisão administrativa, Aras determinou que o Conselho Nacional do Ministério Público prepare uma unificação das ações de combate à corrupção em todo o país. O temor do grupo de Curitiba é que seja levada adiante a criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, que concentraria nas mãos da PGR as políticas criminais voltadas para delitos de colarinho-branco, como recebimento de propina e lavagem de dinheiro.
Essa medida pode esvaziar a Lava-Jato nos estados. Além de Curitiba, a força-tarefa em São Paulo e do Rio também estão comprometidas, após um pedido de providências apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no CNMP, contra os integrantes destes grupos. A primeira ação, que corre sob sigilo e ainda não levada a plenário, apura a conduta de procuradores da República que atuam nos três estados citados. A segunda, aberta para avaliar possível violação dos critérios de distribuição de expedientes no Ministério Público Federal de São Paulo, pode ser pautada a qualquer momento.
Nova fase
No Rio, a situação até agora era mais tranquila, pois os procuradores contam com o apoio irrestrito do juiz Marcelo Bretas que, na semana passada, autorizou mais uma fase da operação. Desta vez, mirou os advogados Frederick Wassef, que atuou para a família do presidente Jair Bolsonaro; Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e Ana Tereza Basilio, que defende Wilson Witzel, governador afastado do Rio. No entanto, a situação pode mudar, a depender da avaliação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão vai julgar se Bretas violou a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) ao aparecer com o presidente Jair Bolsonaro em um evento.
Além disso, advogados que foram alvos de mandados de buscas autorizadas por Bretas pretendem recorrer ao CNJ alegando que houve violação da legislação e usurpação das competências. Entre as ações a serem questionadas, está a que culminou na prisão do ex-presidente Michel Temer, que foi detido temporariamente, mesmo sem negar prestar depoimento. Ele foi liberado cinco dias depois. O ato que prorroga o grupo que era coordenado por Dallagnol foi assinado pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, que teve anuência de Aras. Ele destacou que um amplo processo de diálogo precedeu a decisão e disse que “apenas com o então procurador natural da força-tarefa em Curitiba foram mais de seis horas de reuniões em um intervalo de 10 dias”. Ainda de acordo com a PGR, “todas (as unidades do MPF) destacaram tratar-se de um sacrifício manter as liberações”, em um recado de que as equipes podem ser encerradas em breve.
A alçada do ministro Luiz Fux ao comando do Supremo Tribunal Federal animou os procuradores e apoiadores da operação. Ele disse, durante o discurso de posse, que não vai permitir retrocessos no combate à corrupção. A tendência é de que o ministro deixe de pautar qualquer tema que coloque os trabalhos da investigação em risco. “Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava-Jato”, declarou Fux.
Baixas
A Lava-Jato vem sofrendo sucessivas derrotas após a saída de Sergio Moro da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele, que se tornou símbolo da operação, deixou o cargo de juiz para ocupar um cargo no governo de Jair Bolsonaro. No entanto, saiu do Executivo em meio a acusações de que o presidente tentava interferir na Polícia Federal. Dallagnol, o segundo nome mais influente da força-tarefa, precisou se afastar para cuidar da filha, que passa por problemas de saúde. A saída dele ocorreu de forma inesperada, e pegou de surpresa integrantes do Ministério Público. A decisão não poupou o procurador de ser punido com a pena de censura pelo CNMP, acusado de interferir na eleição para presidente do Senado, em 2018.
Para Leopoldo Vieira, analista político da TC Mover, área de informação do TradersClub, a pauta econômica e a pandemia, que atraíram as atenções da sociedade e do setor político, criaram um ambiente propício para o enfraquecimento da Lava-Jato. “Com o país discutindo reformas e efeitos da pandemia, o assunto corrupção ficou em segundo plano, disso decorreu o enfraquecimento da Lava-Jato e seus símbolos, como Moro. A politização do que fazer em relação às medidas de isolamento também contribuíram com isso. Ao se descolar de Bolsonaro, ambos perderam o suporte dos apoiadores mais fiéis do presidente, o que já não tinham desde o eleitorado de esquerda, convencidos de uma orientação política da operação”, avalia.