O ministro Luiz Fux deu a largada como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) criticando a “politização do Judiciário” e prometeu uma gestão focada em evitar que assuntos de outros Poderes ganhem destaque na atuação da Corte. Apesar das declarações, o magistrado, que ficará no cargo por dois anos, disse que a sociedade brasileira não aceita retrocessos no combate à corrupção e destacou que não vai permitir “agressões à Corte”. Em um discurso carregado de emoção, ele assumiu o comando do Tribunal em um evento restrito, em razão da pandemia de coronavírus. A ministra Rosa Weber ocupou a Vice-Presidência. Participaram da cerimônia, o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.
De acordo com Fux, assuntos que deveriam ser tratados em âmbito político estão chegando à Suprema Corte, que não tem competência para decidir sobre temas que são de responsabilidade do Executivo e do Legislativo. Para ele, essa anomalia induz o Supremo a um “protagonismo deletério”, que prejudica a imagem do Poder Judiciário. “Em consequência, alguns grupos de Poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas. Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento”, disse o ministro.
Ele defendeu que o Supremo devolva aos demais Poderes assuntos que não lhe competem, de acordo com o que prevê a Constituição. “Aos nossos olhos, o Judiciário deve atuar movido pela virtude passiva, devolvendo à arena política e administrativa os temas que não lhe competem à luz da Constituição. E, quando excepcionalmente assumir esse protagonismo, o Judiciário poderá, em lugar de intervir verticalmente, atuar como catalisador e indutor do processo político-democrático, emitindo incentivos de atuação e de coordenação recíproca às instituições e aos atores políticos”, completou.
O magistrado destacou que, nos próximos dois anos, vai atuar para que a intervenção judicial seja minimalista em temas sensíveis. No entanto, ele garantiu que o Supremo vai atuar para proteger minorias, a liberdade de imprensa e de expressão em todo o país. “Por outro lado, se devemos deferência ao espaço legítimo de atuação da política, não podemos abrir mão da independência judicial atuante por um ambiente político probo, íntegro e respeitado. De forma harmônica e mantendo um diálogo permanente com os demais Poderes, o Judiciário não hesitará em proferir decisões exemplares para a proteção das minorias, da liberdade de expressão e de imprensa, para a preservação da nossa democracia e do sistema republicano de governo”, declarou.
Apesar da formalidade da ocasião, a posse de Luiz Fux como presidente do Supremo teve momentos marcados pelo estilo pessoal do ministro. Na abertura da cerimônia, o cantor Fagner, artista prestigiado por Fux, entoou o Hino Nacional. No discurso de agradecimento, além dos colegas magistrados, o presidente fez questão de lembrar da comunidade do jiu- jitsu e do compositor Michael Sullivan, parceiro dos tempos do “Rock´n´roll brasileiro”. Ao falar sobre a família, Fux emocionou-se quando lembrou do pai, o advogado Mendel Fux.
Caverna de Platão
Durante a sessão, o magistrado prestou homenagem aos mais de 120 mil brasileiros mortos por coronavírus. Também estiveram presentes, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, o Advogado-Geral da União, José Levi, e o procurador-geral da República, Augusto Aras. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins e demais ministros do Supremo também estavam entre os convidados, mas Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski preferiram acompanhar virtualmente.
Fux fez um forte discurso relacionado ao combate à corrupção. Ele citou o mito da Alegoria da Caverna, de Platão, destacando que a sociedade brasileira não “aceitará o retorno à escuridão”. O ministro citou a investigação que culminou no desbaratamento do esquema do mensalão e lembrou a importância da Lava-Jato. O ministro é um dos apoiadores da operação que desmontou o esquema de corrupção na Petrobras.
O novo presidente da Corte destacou que as ações deflagradas no âmbito da operação foram autorizadas pela Justiça. “Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito”, declarou o novo presidente do STF.
Ele lembrou que os crimes que desviam recursos públicos sucateiam o atendimento à população e geram danos irreparáveis. “Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras e por impor ao pobre trabalhador brasileiro uma vida lindeira à sobrevivência biológica”, acrescentou.
Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio fez, em nome do STF, o discurso para homenagear a posse de Fux. Suas primeiras palavras, porém, foram para Jair Bolsonaro. Apesar do tom polido, o magistrado foi duro e direto. Após cumprimentar os presentes e saudar as autoridades, enviou recado ao presidente da República. “(...) Dirigindo-me em saudação especial ao chefe de Estado e de governo, o presidente Jair Bolsonaro. Vossa Excelência foi eleito com mais de 57 milhões de votos, mas é presidente de todos os brasileiros”, afirmou. Em seguida, amenizou. “Continue na trajetória havida. Busque corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham. Cuide, especialmente dos menos afortunados. Seja sempre feliz na cadeira de mandatário maior do país”, afirmou.
O próximo movimento no STF ocorrerá nas turmas. Luiz Fux deixou a primeira turma para assumir a Presidência, e o ex-presidente Dias Toffoli integrará o grupo em seu lugar. Já na segunda turma, o decano Celso de Mello se aposentará ainda este semestre, abrindo espaço para uma nomeação do presidente da República. Nos bastidores, porém, Toffoli se articula para mudar de grupo após a baixa do colega. De acordo com o professor de direito penal da Escola de Direito do Brasil, João Paulo Martinelli, o que está em questão são as votações relacionadas à Lava-Jato. Se Bolsonaro colocar um jurista punitivista na vaga do decano, o entendimento dos colegas da segunda turma sobre o tema mudará.
Se Toffoli ocupar a vaga de Celso de Mello, porém, as votações relacionadas à Lava-Jato seguirão a tendência garantista. “Na segunda turma, temos três juízes com perfil garantista, Celso de Mello, Lewandowski e Gilmar Mendes. Carmen Lúcia e Fachin são punitivistas. Com a aposentadoria do Celso de Mello, essa vaga, se for preenchida pelo presidente Bolsonaro, pode inverter o entendimento da turma nos processos criminais. Então, há informação que Toffoli se movimenta para a segunda turma. Se acontecer, eles seguirão com o mesmo perfil”, explicou.
Presidente da OAB alfineta Bolsonaro
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro na posse do ministro Luiz Fux. Santa Cruz ressaltou especialmente a preservação ambiental, norma constitucional e dever dos agentes públicos. Cruz destacou que preservar a fauna e a flora brasileira é preservar a Constituição, e quem se omite, atenta contra a Carta Magna. “Quem causa dano ao meio ambiente, ou se omite nas políticas públicas para sua preservação, portanto, agride o bem comum e nossa Constituição Federal”, advertiu. (LC)
Com a palavra, o presidente Fux
Homenagem às vítimas
“Como primeiro gesto simbólico no exercício desta nobilíssima missão, não poderia deixar de prestar um tributo às mais de 120.000 (cento e vinte mil) vítimas fatais do coronavírus em nosso país e aos seus familiares. Essa página crítica e devastadora de nossa história, que ainda estamos a virar, torna imperativa uma reflexão sobre nossas vidas, nossos rumos e nossos laços de identidade nacional.”
O Supremo e pandemia
“Nesse processo de reação e de reconstrução nacional, nos planos material e espiritual, o meu sentir, como cidadão e como juiz, é que a nossa Constituição sairá mais fortalecida dessa crise. Forçoso reconhecer que, mesmo no auge da ansiedade coletiva causada pela pandemia, ninguém — ninguém — ousou questionar a legitimidade e a autoridade das respostas da Suprema Corte, com fundamento na Constituição, para as nossas incertezas momentâneas.”
O papel do Supremo
“Nós, Juízes do Supremo Tribunal Federal, somos os guardiões desse mais sagrado documento democrático pertencente ao povo brasileiro. É por essa razão que cabe ao Supremo Tribunal Federal dar vida à “Constituição Cidadã”, na feliz expressão de Ulysses Guimarães, assegurando aos brasileiros o exercício de suas liberdades e igualdades, em missão orientada pelos valores fundamentais de uma sociedade fraterna, pluralista e despida de preconceitos.”
Apoio à Lava-Jato
“Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato.”
“Não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito.”
Relação entre Poderes
“Meu norte será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da magistratura: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência.”
Os limites da Corte
“O Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas — nem é o legítimo oráculo — para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação. Tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões.”