Bolsonaro ignora covid em discurso

7 de Setembro / Em pronunciamento na tevê, presidente disse defender liberdade e não citou a pandemia. Sem desfile, cerimônia do Dia da Independência teve aglomeração

Com quase 127 mil mortos pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez na noite de ontem um pronunciamento em que ignorou a pandemia. Afirmou ter compromisso com a democracia e a liberdade, mas sugeriu que manifestações populares antecederam a ditadura militar imposta em 1964. Foi a primeira vez que o presidente se manifestou em pronunciamento desde abril. Foram registrados panelaços e apitaços em diversas capitais do país.


Bolsonaro falou no período da ditadura como um capítulo do país na luta pela liberdade. “Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. O sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade”, afirmou.


O mandatário aproveitou para reiterar seu “compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e a liberdade”. “A Independência do Brasil merece ser comemorada hoje, nos nossos lares e em nossos corações. A Independência nos deu a liberdade para decidir nossos destinos e a usamos para escolher a democracia”, destacou.


Ao concluir, o presidente afirmou: “Somos uma nação temente a Deus, que respeita a família e que ama a sua Pátria. Orgulho de ser brasileiro.”

Cerimônia enxuta

Durante o dia, uma modesta celebração marcou o feriado do 198° aniversário do Dia da Independência, no Palácio da Alvorada. Devido à pandemia da covid-19, o tradicional desfile de 7 de Setembro, na Esplanada dos Ministérios, foi cancelado pela primeira vez na história. As grandes apresentações deram lugar a estruturas reduzidas a imprensa e ao público — até 800 pessoas tiveram autorização para assistir à cerimônia, informou a Secretaria de Comunicação.


Por volta das 10h, sem máscara, o chefe do Executivo deixou a residência oficial em um Rolls-Royce, acompanhado por um grupo de crianças. A maioria, sem o item de proteção. A filha mais nova do presidente, Laura, não participou do desfile. Minutos antes, portando máscara, a primeira-dama Michelle saiu a pé pela porta do Palácio, cumprimentou o público com apertos de mãos e foi recebida aos gritos de “mita”. Um auxiliar passou oferecendo álcool em gel em seguida.


O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), fizeram selfies com apoiadores enquanto o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, conversava com um grupo de bolsonaristas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foram vaiados ao saírem do veículo em que estavam. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não participou da cerimônia.


Os espectadores comemoraram a chegada dos ministros ao evento. Compareceram Paulo Guedes (Economia), o interino Eduardo Pazuello (Saúde), Tereza Cristina (Agricultura), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Estiveram presentes, também, o vice-presidente Hamilton Mourão, o secretário especial da Cultura, Mário Frias, e o deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ).


A solenidade começou com o hino nacional, seguido do hasteamento da Bandeira, do hino da independência e, por fim, de uma apresentação de cerca de 10 minutos da Esquadrilha da Fumaça. Ao fim, ainda sem máscara, Bolsonaro e ministros cumprimentaram apoiadores e tiraram selfies, causando aglomeração. O mandatário não discursou no evento.


Após a solenidade, Bolsonaro almoçou na companhia de membros do governo na casa do secretário especial de assuntos estratégicos, almirante Flávio Augusto Viana Rocha, em um condomínio no Jardim Botânico. O encontro não constou na agenda oficial do presidente.

Esplanada reúne atos pró e contra

Em Brasília, manifestantes favoráveis e contrários ao presidente Bolsonaro ocuparam a Esplanada dos Ministérios. De um lado, apoiadores reuniram-se em frente ao Museu Nacional, de onde caminharam em direção ao Congresso. Os manifestantes levaram bandeiras do Brasil e balões verdes, amarelos e azuis. Do outro lado, integrantes de movimentos contrários ao governo juntaram-se no tradicional protesto do Grito dos Excluídos para a realização de atos cênicos performáticos. Diferentes grupos e representantes de movimentos feministas, LGBTQIA+, negros e indígenas participaram.


Com o lema de defender a pátria amada, manifestantes pró-governo gritavam palavras de ordem e pela “defesa do Brasil”. A maioria usava máscara. Um pequeno grupo chegou a estender uma bandeira fascista integralista, mas a guardou em seguida. Uma banda instrumental acompanhou o ato durante todo o trajeto ao som de músicas patrióticas. O movimento foi pacífico e sem conflitos partidários. Em ponto estratégico, antes da Catedral, a PM realizou barreira para revista de mochilas e bolsas, além de orientar o uso das máscaras. Durante a vistoria, foi apreendida uma arma branca e pequenas porções de droga. Ao final da passeata, os manifestantes esperaram em frente ao Congresso pela aparição do presidente, mas o chefe de Estado não compareceu.
Bolsonaristas se encontraram, também, em São Paulo (SP), em frente à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Protesto

Iniciada na altura do Teatro Nacional, a 26ª edição do Grito dos Excluídos durou cerca de uma hora e contou com uma série de pequenos atos performáticos. Integrantes de partidos e representantes da sociedade civil se reuniram, ainda, em outros 18 estados e pela internet.
Na capital, os presentes estenderam camisas brancas com caixões, em memória aos profissionais de saúde mortos pela pandemia do novo coronavírus e inflaram um boneco do presidente da República com as mãos cobertas de sangue. Um grupo portando máscaras de ratos rasgava réplicas da Constituição enquanto mulheres com as mãos pintadas de vermelho chamavam a atenção para a violência de gênero.


A servidora pública Flávia Rodrigues, 47 anos, que participou do protesto vestindo terno e com máscara de rato, afirmou que os parlamentares desrespeitam a Constituição. Ela, que perdeu uma tia vítima da covid, também culpa os políticos pelo alto número de mortes. “É pesado. Os ratos tiraram vidas. É impossível rasgar a Constituição e não pensar nessas (quase) 130 mil vidas. Não são todos os congressistas. Há uma minoria que luta pela vida, que fez o auxílio emergencial chegar a R$ 600. O Grito dos Excluídos existe há muitos anos. Nosso grito é por Justiça e democracia.”