Para não deixar a comemoração dos 198 anos da independência do Brasil passar em branco, devido ao cancelamento do tradicional desfile na Esplanada dos Ministérios, o presidente Jair Bolsonaro deve reunir, hoje, um grupo seleto de ministros, parlamentares e militares no Palácio da Alvorada para celebrar o feriado. Será a primeira vez desde a ditadura militar que o evento terá comemoração de maneira comedida na capital do país, sem grandes apresentações ou presença do público.
Na programação estão previstos discursos de Bolsonaro e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo. O evento ocorrerá ao ar livre. Deve haver, ainda, uma exibição da Esquadrilha da Fumaça no perímetro aéreo da residência oficial. Haverá ainda um pronunciamento do presidente para as cadeias de rádio e televisão do país sobre o Dia da Pátria, às 20h.
Por mais que a pandemia da covid-19 tenha forçado o Ministério da Defesa a suspender a organização das festividades ao público — com direito, inclusive, à publicação de portaria no Diário Oficial da União, em agosto, do chefe da pasta, Fernando Azevedo, orientando que as Forças Armadas não participem de “quaisquer eventos comemorativos” —, o governo quer fazer da data um marco da gestão Bolsonaro.
A ordem no Palácio do Planalto é amplificar o discurso ufanista do presidente, que está difundindo a ideia de que ninguém enfrentou melhor a crise sanitária do novo coronavírus do que ele — apesar de o Brasil contar, atualmente, com mais de 4,1 milhões de infectados e mais de 126 mil mortos pela pandemia.
Exemplo
No fim de agosto, por exemplo, Bolsonaro chegou a organizar um evento na sede do Executivo com o nome “Brasil vencendo a covid-19”. A solenidade contou com os discursos do presidente e de uma série de médicos, que deixaram de lado as vidas perdidas pelo novo coronavírus para defender a utilização da hidroxicloroquina no tratamento contra a doença. Não há comprovação científica da eficácia do medicamento.
“Desde o começo (da pandemia) assumi posição ímpar, não só dentro do Brasil, mas como chefe de Estado no mundo todo. Não vi um chefe de Estado tomar uma decisão como a minha”, comentou, na última quinta-feira, ao participar da cerimônia de apresentação dos projetos de pontes nos municípios paulistas de Pariquera-Açú e Eldorado.
O presidente também aposta que, graças às ações adotadas pelo Executivo, a economia nacional voltará ao normal rapidamente. Esse sentimento acabou influenciando a campanha publicitária da “Semana Brasil 2020”, iniciativa criada para estimular as vendas no período em que se comemora o Dia da Independência. Na linha daquilo que Bolsonaro tem pregado, o lema escolhido para a iniciativa deste ano foi “Vamos em frente, com cuidado e confiança”.
Elogio
No ano passado, o presidente Bolsonaro optou por um discurso patriótico, regado por alfinetadas a mandatários anteriores e, também, ao presidente da França, Emmanuel Macron, que à época foi criticado pelo brasileiro por ter supostamente atentado contra a soberania do Brasil ao sugerir a internacionalização da Amazônia.
Como em outras oportunidades, quando criticou as gestões petistas, Bolsonaro defendeu a liberdade e acusou de que ela foi “por tantas e tantas vezes ameaçada por brasileiros que não tem outro propósito a não ser o poder pelo poder.”
Para o advogado e cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Nauê Bernardo, neste ano, o chefe do Executivo voltará a investir na defesa do patriotismo, mas, desta vez, deve, também, elogiar os feitos do governo. “A impressão é de que ele vai fazer as duas coisas. O presidente deve falar do envio da reforma administrativa, além de relatar que exerce um governo sem corrupção”, destaca.
“Bolsonaro vai pesar a mão nisso. Evocar essas características da Presidência, dizer que o governo tem feito avanços. Poderá usar elementos ufanistas e patrióticos para reforçar o elo com eleitores. Não espero que o presidente tenha um discurso de construção de consenso”, acrescenta o analista político Creomar de Souza, da consultoria Dharma. (AF e IS)