Eleições 2020

Maioria de candidatos a vereadores é preta e parda; a prefeitos, branca

Pleito de 2020 tem mudança demográfica entre os mais de 544 mil inscritos e registra aumento da proporção de candidaturas femininas

Sarah Teófilo
postado em 27/09/2020 17:52 / atualizado em 28/09/2020 09:31
 (crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)
(crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)

O registro de candidatos para as eleições deste ano teve uma mudança histórica, com mais pessoas que se autodeclararam pretas e pardas do que brancas. Além disso, houve um aumento da proporção de candidaturas femininas em relação a 2016. Até as 17 horas deste domingo, o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrava que de 544.288 inscritos, 49,8% de candidatos se autodeclararam pretos e pardos, enquanto 47,8% informou ser branco. No último pleito municipal, em 2016, o cenário era inverso, com praticamente o mesmo percentual.

O que puxa a estatística neste ano é o número de vereadores: 50,8% são pretos e pardos enquanto 46,8% são brancos. No caso de prefeitos e vice-prefeitos, a maioria dos candidatos são brancos, sendo 63,2% e 59%, respectivamente. O registro de candidaturas se encerrou no último sábado (26), mas os números do sistema do Tribunal ainda devem sofrer alteração no início da semana, quando será concluído o processamento e inclusão das informações. As informações ainda passarão por análise da Justiça eleitoral.

Neste ano, com a intenção de garantir divisão igualitária do fundo eleitoral entre candidatos negros e brancos, o TSE decidiu que partidos políticos devem dividir recursos que recebem do fundo eleitoral de forma proporcional para candidatos negros e brancos. A medida valeria a partir de 2022, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, antecipou para este ano. A liminar ainda precisa ser analisada pelo plenário da Corte.

Professora de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Luciana Ramos avalia que o aumento de candidatos pretos e pardos foi muito pequeno, “na margem de erro”. “Não vejo como um aumento. O que dá para dizer é que equilibrou”, afirma. Para ela, a diferença pode ter relação com o reconhecimento cultural das pessoas. “Antes, as pessoas tinham vergonha de se declarar pretas e pardas. Isso é o que eu ouço do movimento negro. Há um processo de conscientização, aí pode haver algum efeito”, afirma.

Presidente do Tucanafro, o Secretariado da Militância Negra do PSDB, Gabriela Cruz acredita que o aumento tenha relação com a decisão do TSE. Para ela, candidatos brancos podem ser mudado a autodeclaração para pardos ou negros, acreditando que assim seriam beneficiados com a divisão do fundo eleitoral. A decisão é relativa a repasse proporcional do fundo eleitoral para candidaturas negras - ou seja, se uma legenda tem 100 candidatos, sendo 20 negros, 20% do fundo deverá ser repassado a eles. Não foi acatada a proposta de cota mínima de candidatura.

Além disso, a presidente afirma que com as manifestações antirracistas vistas esse ano dera à população um exercício de reflexão, o que pode ter feito com que mais pessoas se reconhecessem como negros. “Pode ser que elas tivessem vergonha, não tinham coragem de se autodeclarar negras”, diz.

Gabriela defende que sejam estabelecidos critérios de heteroidentificação dos candidatos que se declararam pretos e pardos, para evitar fraude no sistema e garantir justiça social e reparação à população negra. “É preciso considerar o fenótipo da pessoa, porque quem sofre no país são as pessoas que têm fenótipo negro; são elas que sãos sub representadas”, afirma.

Mulheres

No caso da representação feminina, dados mostram que 33,1% das candidaturas são de mulheres, enquanto 66,9% são homens. Em 2016, a proporção era de 31,9% para 66,9% de homens. A professora Luciana Ramos afirma que a diferença também é muito pequena, dentro da “margem de erro”, e que o público feminino fica sempre próximo dos 30%. De acordo com ela, a criação de uma cota mínima de candidatas acaba sendo, também, um problema.

“Sempre fica em torno de 30%, porque a regra acaba virando não só o piso, como o teto. Não consegue passar de 40%”, afirma. A decisão de reserva de 30% de candidaturas para mulheres foi estabelecida pela lei de cotas, de 1997.

Presidente do Tucanafro, o Secretariado da Militância Negra do PSDB, Gabriela Cruz diz que esperava um percentual maior. “Com tantas campanhas de incentivo à participação feminina no nosso país, com grupos organizados, fóruns de discussão, acreditei que fosse aumentar”, afirma. A presidente frisa a importância de que mais mulheres negras, que são as mais sub representadas, consigam se eleger neste ano. “Estamos na base da pirâmide social, com menores salários e mais vítimas de violência”, afirma.

Capitais


Nas capitais, o cenário é diferente, com mais candidatos brancos (63,9%) do que pretos e pardos (34,5%). Já em relação a gênero, apenas 16,9% do total de candidatos a chefe do Executivo nas capitais são mulheres. A região Sul do Brasil chama atenção quando se observa que todos os candidatos inscritos a chefe do Executivo das três capitais (Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba) são brancos.

A localidade é a que tem menos candidatos negros: de mais de 90 mil nomes, só 16,8% se autodeclara preto ou pardo. Apesar de baixo, o número é próximo da realidade local. Ao todo, nos três estados, pretos e pardos representam 20,6% da população enquanto brancos são 78,5%, segundo dados do IBGE do Censo 2010.

Cientista político e professor da escola de direito e ciências sociais da Universidade Positivo, Francis Ricken aponta que o número de candidatos negros na região é historicamente pequeno. “A população negra e parda nesses três estados é maior que este percentual [de candidatos], o que mostra uma discrepância entre os que concorrem e vencem as eleições, e o eleitorado”, afirma.

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