A eleição municipal de novembro tende a reeditar uma situação já verificada no pleito de 2018, quando uma força inesperada — Jair Bolsonaro — superou a estrutura de partidos poderosos, com alta capilaridade nas cinco regiões do país e que compõem uma estrutura de poder há décadas consolidada. Em algumas capitais pode-se perceber que nomes tradicionais da política migram para legendas menores, em busca de maior adesão e menor resistência entre correligionários. De bônus, muitos ainda conseguem agregar o poder eleitoral de correntes religiosas, sobretudo os neopentecostais. Quem perde com isso? PT, PSDB e MDB.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, Emerson Urizzi Cervi lembra que as três legendas dominaram a cena política nos últimos 30 anos e, agora, sofrem com uma crise institucional. Para ele, quem mais perdeu foram os tucanos.
Em São Paulo, na última pesquisa Datafolha, Celso Russomanno (Republicanos) apareceu em primeiro, seguido pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). O cientista político e CEO da Dharma Political Risk and Strategy, Creomar de Souza, afirma que, ainda que perca outras capitais, se os tucanos conseguirem emplacar seu candidato, ganharão fôlego para lançar o governador do estado, João Doria, em 2022, à Presidência da República.
O Brasil, aliás, bateu recorde de candidatos inscritos nas eleições deste ano, cujo prazo final foi ontem, às 19h: 517.786 pessoas querem disputar uma cadeira de prefeito, vice-prefeito ou vereador, conforme o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até a noite de ontem. Os nomes para vereador representam a maior parte: 480,9 mil pedidos. Já prefeitos, são 18.416; para o cargo de vice-prefeito, 18.436. Os nomes ainda serão analisados pelo juízo eleitoral. Nas eleições de 2016, o número de inscrições foi de 503,2 mil.
Desgaste na imagem
O cientista político Creomar de Souza avalia que o PT será, entre os partidos tradicionais, o que terá a situação mais complicada, por ter sofrido muitos ataques nos últimos anos. Já no caso do MDB e do PSDB, a perda de espaço deve variar de capital para capital. “O PT é a legenda que mais sofreu no passado recente, mas, também, tem maior cristalização. Tende a perder prefeituras, porém ser competitivo”, salienta.
Emerson Cervi acredita que as eleições de 2016 foram as mais desastrosas para o PT em matéria de candidatos, votos e eleitos, e é possível que 2020 mantenha o mesmo padrão.
Em São Paulo, o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo Marco Antônio Carvalho Teixeira aponta que o PT caminha para seu pior desempenho na capital desde as eleições de Luiza Erundina, no final da década de 1980. “É provável que nem chegue ao segundo turno”, adianta. O candidato da legenda, Jilmar Tatto, com 1% das intenções de voto, não tem tido expressão na cidade, nem tampouco apoio interno.
Ainda que Celso Russomanno (Republicanos) tenha saído na dianteira, na última pesquisa Datafolha, com Covas em segundo e Márcio França (PSB) dividindo espaço com Guilherme Boulos (PSOL), Teixeira lembra que o deputado bolsonarista pode repetir o cenário de 2012 e 2016 –– disparou às vésperas da campanha e não chegou ao segundo turno.
Para o professor, Covas acaba se beneficiando com tal quadro. Na avaliação de Teixeira, ele está praticamente sozinho no centro, com alianças sólidas.
Força dos veteranos
Em Manaus, há a prevalência de partidos menores sobre as legendas tradicionais. Porém, os candidatos de maior preferência do eleitorado seguem sendo os mais antigos. O professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Tiago Jacaúna traçou um perfil dos candidatos a prefeito, apontando que o MDB é “supertradicional” na região. A legenda tem o senador Eduardo Braga, que apoia Amazonino Mendes, do Podemos, que é quem lidera as pesquisas de intenção de voto. “Já foi governador e prefeito, já foi filiado a vários partidos. É um nome tradicional em partido não tão tradicional”, destaca.
Reeleito em 2016, o atual prefeito, Arthur Virgílio Neto (PSDB), não tem nome forte para sucedê-lo. Embora seja o partido que mais sofreu ataques nos últimos anos, o PT está em terceiro, com o deputado federal José Ricardo em aliança com o PSol
No Nordeste, as eleições municipais seguem outra lógica de disputa de grupos locais consolidados e tradicionais. Isso se vê na mais populosa capital da região, Salvador, cuja corrida à prefeitura está dividida entre o DEM, com um candidato forte do prefeito ACM Neto; o atual vice-prefeito, Bruno Reis; e outras três candidaturas à esquerda. Cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Fábio Dantas Neto diz não ver espaço para polarização entre outsiders e populistas declarados em Salvador.
O professor explica que a disputa está centrada entre o candidato de ACM Neto, que conseguiu aglutinar 13 legendas, e a base governista estadual petista, do governador Ruy Costa, que está mais segmentada, com três candidatos: além da aposta do PT, a Major Denice Santiago, que não tem trajetória política, e Olívia Santana (PCdoB), há o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante), que também é ligado ao grupo, apesar de ter um discurso conservador e mais alinhado com o bolsonarismo.
Espaço fechado
Em Goiânia, a expectativa é de que o PSDB continue sem espaço. O domínio na prefeitura é tradicionalmente do MDB –– Iris Rezende resolveu, neste ano, não disputar reeleição e anunciou sua aposentadoria da vida política, aos 86 anos.
O doutor em ciências políticas e especialista em comportamento eleitoral Robert Bonifácio explica que o PT nunca foi forte em Goiás. Hoje, no entanto, segundo o especialista, a legenda tem uma candidata respeitável, a deputada estadual Adriana Accorsi. Ela apareceu em segundo lugar, empatada tecnicamente com Maguito, em pesquisa Serpes/O Popular, divulgada ontem.
Caiado apoiará, em Goiânia, o senador Vanderlan Cardoso (PSD), que ocupa o primeiro lugar nas pesquisas. Ele tem visões alinhadas com as de Bolsonaro, inclusive as negacionistas, como a aversão ao isolamento social. Bonifácio destaca que, além das legendas, o personalismo exerce mais força.
Candidatos em massa
Um dos segredos das pequenas legendas para ganhar espaço nas eleições municipais é a forte adesão de eleitores a candidatos vindos do meio evangélico. E essa configuração repete-se em Curitiba, conforme o professor Emerson Urizzi Cervi. Ele explica que, com o fim das coligações, os partidos têm um número maior de postulantes a apresentar. E, em Curitiba, apenas dois ou três partidos, “que são de igreja evangélica”, conseguiram passar de 50 candidatos a vereador.
“Os partidos tradicionais não estão conseguindo. MDB, PSDB e PT vão apresentar chapas bem menores do que partidos pequenos. Isso em decorrência do fim das coligações”, explica
Apesar do poder dos pequenos ter aumentado, o candidato que partiu na frente em Curitiba é o prefeito da capital, Rafael Greca (DEM). Seu principal opositor, Ney Leprevost (PSD), que foi para o segundo turno com ele em 2016, desistiu do pleito. O terceiro mais forte, o ex-prefeito Gustavo Fruet (PDT), também saiu da jogada, dando larga vantagem a Greca. Na sequência, vem o bolsonarista Delegado Francischini, do PSL. “Tem um vácuo entre os mais jovens e entre os progressistas, que ficaram sem candidato”, explica Cervi.
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