O presidente Jair Bolsonaro deu o sinal verde para que os aliados do Centrão no Congresso Nacional tentem emplacar nas discussões da reforma tributária a criação de uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Os moldes do imposto, que vai incidir sobre transações eletrônicas, devem ser apresentados pelo governo ao parlamento na próxima semana, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende entregar ao Legislativo mais uma parte da proposta do Executivo de reformulação do sistema tributário.
Nos últimos dois dias, Bolsonaro e, especialmente, Guedes, encontraram-se com líderes partidários para medir a disposição dos parlamentares quanto ao que o ministro tem chamado de “impostos alternativos”, como uma forma para desonerar a folha de pagamento para até um salário mínimo e, ainda, viabilizar o financiamento de um novo programa de renda mínima que substitua o Bolsa Família. A proposta é tributar as transações financeiras que ocorrem de forma digital com uma alíquota entre 0,2% e 0,4%.
“Queremos desonerar, queremos ajudar a buscar emprego, facilitar a criação de empregos, então vamos fazer um programa de substituição tributária. Temos que desonerar folha, por isso a gente precisa de tributos alternativos, para desonerar folha e ajudar a criar empregos e renda. Vimos a importância do auxílio emergencial, como isso ajudou a manter o Brasil respirando e atravessando essa onda da crise. Temos que também fazer uma aterrissagem suave do programa de auxílio emergencial”, comentou Guedes na manhã de ontem, depois de uma reunião no Palácio do Planalto com Bolsonaro, deputados e senadores.
Derrubada do veto
O ministro acabou conseguindo convencer o presidente de que um imposto com modelo parecido ao da CPMF era a melhor maneira para se desonerar a folha de pagamentos. Afinal, a redução dos encargos trabalhistas terá um custo que hoje não cabe no Orçamento. Cálculos do Ministério da Economia mostram que só a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à desoneração da folha de 17 setores produtivos provocará um impacto de R$ 10 bilhões. E a promessa de Guedes é fazer uma desoneração mais ampla, que não se limite a esses 17 segmentos econômicos. A ideia é desonerar a folha para todos os trabalhadores que ganham até R$ 1.045 e também reduzir parte dos encargos que incidem sobre os salários mais altos, como as contribuições previdenciárias.
Além disso, o governo vai precisar de uma nova receita para tirar outros projetos do papel por meio da reforma tributária, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da linha branca e a revisão da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). E tudo isso pode ser compensado pelo novo imposto digital. Estimativas indicam que a nova CPMF poderia levantar até R$ 120 bilhões por ano.
O desafio é convencer deputados e senadores, sobretudo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os governistas já pensam até em propor a volta da CPMF, mas com prazo definido, possivelmente de seis anos.
“Reafirmamos nosso compromisso com o teto de gastos e o rigor fiscal. Nenhuma proposta que será encaminhada vai tratar desta questão. Estamos buscando dentro do Orçamento recursos para poder avançar nos programas e, se houver a necessidade, faremos uma substituição de tributação. Não tem aumento de carga tributária, tem compromisso com o teto de gastos e com o rigor fiscal”, destacou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Guedes interrompido
Ao falar com jornalistas após a reunião, Paulo Guedes teve de ser contido pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR) para não adiantar tantos detalhes sobre o que o governo decidiu da reforma tributária. Ramos chegou a puxar o ministro da Economia pelo braço para retirá-lo da frente dos microfones, enquanto Barros alertou Guedes: “Tá bom, vamos lá”. Depois dos alertas, Guedes cessou o discurso e disse que “agora tem articulação política”. Nas últimas semanas, Bolsonaro ficou incomodado com a equipe econômica justamente pelo vazamento de informações sobre o Renda Brasil, que seria o programa do governo para substituir o Bolsa Família. Irritado, o presidente determinou que o governo só falará de Renda Brasil em 2022.
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"Não há ambiente político para CPMF"
Apesar do entusiasmo do governo para a formulação do tributo, o Congresso ainda encara um novo imposto sobre movimentações financeiras com bastante ceticismo e não deve aprovar a criação do encargo com tanta facilidade. O presidente da Comissão Mista da Reforma Tributária, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), participou da reunião de ontem no Planalto e já sinalizou que “não há ambiente político para discutir esse assunto”. “Acho que não (chega ao Congresso a discussão da nova CPMF). É muito delicado esse tema. Isso pode, de algum modo, contaminar a reforma”, disse.
Membros da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica condenam uma volta da CPMF, como o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES). “Recriar a CPMF, mesmo que disfarçada com outro nome, é um retrocesso para o país. É um imposto perverso, que amplia desigualdades. Precisamos de uma reforma tributária que torne o sistema mais simples. Não há razão para voltar a soluções que deram errado no passado”, alertou.
Além dele, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) é contra o novo imposto. Segundo o parlamentar, a medida não atenderia aos propósitos do governo de desonerar a folha salarial. “A CPMF, na prática, significa aumento de imposto para milhões de brasileiros, em especial de classe média e baixa, que não têm folha de pagamento e, portanto, só terão aumento, sem nenhuma desoneração”, analisou. “E mesmo para o empresário, a troca da desoneração por CPMF é uma meia desoneração, já que o que economizará na folha pagará nas transações eletrônicas. CPMF só tem uma lógica progressiva e justa se for para desonerar o consumo”, acrescentou o deputado.
No empresariado, as opiniões se dividem, entre aqueles que rejeitam a volta da CPMF e os que já aceitam a proposta mediante a compensação da desoneração da folha. Afinal, os encargos trabalhistas representam boa parte dos custos de diversas empresas, sobretudo as do setor de serviços, que foram duramente impactadas pela crise da covid-19.