Um ano depois de seu discurso de estreia na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Jair Bolsonaro (sem partido) optou por uma abordagem mais sucinta ao apresentar o momento do Brasil aos líderes mundiais. Na comparação dos discursos de 2020 e 2019, as palavras escolhidas revelam um chefe de Estado na mesma defensiva de sempre, mas na construção de uma agenda que não mais contempla o populismo praticamente eleitoral feito para agradar seus apoiadores, como o registrado no ano passado.
Diante de representantes de todo mundo, o discurso que Bolsonaro buscou passar foi o de grandiosidade. Não apenas de ações, como de relevância. Não por menos, as palavras "maior" e "mundo", desta vez, apareceram com peso mais significativo em um discurso radicalmente mais curto que o proferido em 2019. É em falas como a de credenciar ao Brasil a capacidade produtiva para manter 1 bilhão de pessoas a partir de sua produção que o presidente apresenta a dimensão nacional.
O aceno à lógica de perseguição e crédito à "intriga da oposição" só mudaram de foco de um ano a outro. Se em 2020, ele defende uma campanha massiva de desinformação, em especial na questão ambiental, passando a ideia de controle absoluto das situações; em 2019, culpava supostos ataques coordenados da "mídia", seja ela nacional ou internacional. Aliás, mídia, ideologia, esquerdas e outras muletas discursivas foram deixadas de lado neste ano. O mesmo pode ser dito de pontos como liberdades e a causa indígena, que satisfizeram praticamente uma lista protocolar no primeiro discurso e não foram citados nessa nova investida.
Um detalhe chamativo mostra uma silenciosa mudança de direção quanto ao posicionamento religioso. Educado e alinhado à problemática internacional, em 2019, Bolsonaro adotou discurso de respeito à religiosidade de minorias e levantou a bandeira da perseguição religiosa; desta vez, fica mais claro o discurso, quando o líder nacional clama por união internacional no combate à cristofobia - a perseguição sistemática e violenta aos adeptos do cristianismo. Num país em que nove em cada 10 brasileiros se dizem cristãos e cujos casos de violência mais comuns atingem as religiões de matrizes africanas, a colocação soa mais como um antídoto preventivo aos que clamam pela laicidade de um Estado fortemente ligado às igrejas, com direito a ministro pastor e ministra envolvida em escândalo de influência pautada no conservadorismo religioso.
À exceção de Donald Trump, no maior estilo "gato escaldado", Bolsonaro também evitou nominar e exaltar quaisquer figuras públicas em seu discurso. Deixou de lado a figura de Chávez, com uma única menção à Venezuela ao tocar no assunto do óleo derramado na costa brasileira no ano passado, e silenciou quanto a pessoas de seu governo, ao contrário do discurso anterior em que, diante do mundo, exaltou o juiz Sérgio Moro, a quem chamou de "símbolo do meu país".
Na questão ambiental, o líder brasileiro tirou do foco a questão das florestas, apenas atribuindo a ação estatal à condicionante de que Amazônia e Pantanal são demasiadamente grandes, maiores que países europeus, o que dificultaria as ações de combate. Bolsonaro não mencionou o desmonte das ações de fiscalização nessas mesmas áreas, impostas por decisões orçamentárias, obviamente não abriu espaço para discursos de "boiadas que passam" na pasta do meio ambiente e a única menção a indígenas foi ao dizer que "o caboclo e índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas". Em seguida, apontou esforços do país na redução da emissão de carbono e de lixo no oceano.
Em metade do tempo de duração em relação ao ano anterior, o discurso do representante brasileiro em 2020 relata um país mais relevante, de economia produtiva segura diante do contexto mundial e em pleno controle da pandemia da covid-19, que já atingiu 4,5 milhões de brasileiros, tirando a vida de 137,2 mil deles, segundo maior total no mundo até o momento. Com a mesma destreza do estilo "tirar de tempo" que tentou fazer com a questão ambiental, ele também abordou a crise do novo coronavírus, soltando informações sem contexto, como ao dizer que os brasileiros receberam mil dólares de auxílio emergencial, realidade só alcançada no caso de mães solteiras contempladas desde o primeiro mês do pagamento, somando-se cinco parcelas do benefício. Explicação que parece ter sido encarada como mais um dos detalhes que o mundo não precisa saber.
Se a sede da ONU, em 2019, serviu para que Bolsonaro resumisse o espírito de sua campanha eleitoral, mesmo já tendo assumido o posto, o vídeo transmitido nesta terça-feira (22/9), revela um chefe de Estado mais preocupado em contornar a imagem do país diante dos pares mundiais, atraindo mais votos de confiança que de urnas.
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