O presidente Jair Bolsonaro segue negando os estragos das queimadas pelo Brasil. O chefe do Executivo voltou a dizer que o país é exemplo para o mundo na questão ambiental, apesar de pesquisas mostrarem que os incêndios têm aumentado no Pantanal e na Amazônia. A declaração ocorreu ontem, durante uma homenagem do setor do agronegócio ao presidente em Sinop, no Mato Grosso. Especialistas ressaltam que o posicionamento negacionista de Bolsonaro prejudica a imagem e a economia brasileira.
Bolsonaro disse ainda que há “alguns focos de incêndio pelo país” e que isso “tem ocorrido ao longo dos anos”. “E temos sofrido uma crítica muito grande. Porque, obviamente, quanto mais nos atacarem, mais interessa aos nossos concorrentes, para aquilo que temos de melhor, que é o nosso agronegócio”, destacou.
Em referência às críticas de outros países sobre as queimadas no Pantanal e na Amazônia, Bolsonaro rebateu ressaltando que o Brasil “é um exemplo para o mundo”. E alfinetou. “Países outros que nos criticam não têm problema de queimada porque já queimaram tudo no seu país. Temos a matriz mais limpa energética do mundo. Nós, proporcionalmente, ocupamos uma menor área para agricultura ou para a pecuária do que qualquer outro país do mundo. Nós somos um exemplo para o mundo”, justificou.
Ainda ontem, a França se opôs aos termos estabelecidos no acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Paris alegou impacto ambiental e a falta de medidas para garantir que os compromissos contra o desmatamento sejam levados a cabo. No mesmo dia, após um estudo encomendado pelo governo francês apontar que o desmatamento poderia aumentar por conta das maiores exportações do Brasil, o primeiro-ministro da França, Jean Castex, se manifestou por meio das redes sociais e escreveu que “o desmatamento ameaça a biodiversidade e perturba o clima. O relatório apresentado confirma a posição da França de se opor ao projeto de acordo UE-Mercosul, tal como está. A consistência dos compromissos ambientais do nosso país e da Europa depende disso”, alegou.
Pantanal e Amazônia
Os dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam para dias ainda mais trágicos. Em agosto, foram registrados quase 30 mil focos de fogo na Amazônia e a maior queimada em uma década no Pantanal. Apenas nas duas primeiras semanas deste mês, foram contabilizados mais de 20 mil focos de queimadas na Amazônia, o que significa um aumento de 86% na comparação com os registros do mesmo de período de 2019.
No número acumulado, a quantidade de focos de calor no bioma de 1º de janeiro até 14 de setembro é 12% maior do que a de 2019 (quando os dados já eram alarmantes) e 28% a mais do que a média dos últimos três anos. Já quando a comparação é em relação aos últimos 10 anos, a média de queimadas na Amazônia é de um impressionante 43% maior em 2020.
No Pantanal a situação é ainda mais grave. Até agosto deste ano, o fogo já tinha atingido uma área de mais de 1,8 milhão de hectares no Pantanal, o que representa 12% do tamanho total do bioma. Porém, ao virar o mês, o problema só aumentou: nos 14 primeiros dias de setembro foram registrados 5.300 focos de calor, praticamente o mesmo número do mês inteiro de agosto, com 5.935 pontos. Dessa forma, setembro será o mês com maior número de focos de queimadas no Pantanal desde o início do monitoramento, em 1998.
Com estatísticas trágicas e opostas ao que vem defendendo o governo, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também procurou minimizar a situação ambiental no país. Ele chamou as queimadas na Amazônia de o “coelho da vez”, usado para “induzir o espectador” como um truque de mágica. Na mesma linha do presidente Bolsonaro, o general afirmou que o Brasil é o país “que menos desmatou na história da humanidade”.
Mourão tem travado rusgas com órgãos e agências de fiscalização federais, como o Inpe, que é referência internacional. O general defendeu a criação de uma agência que centralize os dados de desmatamento, que seja mais eficiente e a um custo menor. Durante a semana, Mourão acusou funcionários do Inpe de manipular dados. “É alguém lá de dentro que faz oposição ao governo. Quando o dado é negativo, o cara vai lá e divulga. Quando é positivo, não divulga”, acusou, sem apresentar provas.
A assessora de políticas públicas do Greenpeace, Luiza Lima, caracterizou como “lamentáveis” as recentes declarações de Bolsonaro e equipe. “Com essas falas. o presidente tenta maquiar a realidade. Esses discursos não contribuem para o Brasil, para a economia ou o clima global. O que acontece aqui tem impacto mundial e, por isso, a repercussão negativa sobre as queimadas que vem ocorrendo. O negacionismo é a marca do governo. É o mesmo posicionamento do Mourão, inferindo que, por trás dos dados, há oposição ao governo. Bolsonaro e equipe tentam desqualificar o trabalho sério de especialistas e da ciência para tentar ganhar o discurso. Isso só faz com que o país perca sua credibilidade”, destacou.
O professor de gestão ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior, defende que o governo precisa ficar mais atento em relação às políticas ambientais e ao mercado externo. “Não basta falar que está dando exemplo de proteção ambiental. É necessário demonstrar na prática”, observou.
Índios são parceiros, dentro do razoável
Também no evento em Sinop, Bolsonaro contou que já gravou o discurso para a 75ª edição da Assembleia Geral da ONU, que ocorrerá na próxima terça-feira. O presidente relembrou a fala de 2019. “No ano passado, vale a pena recordar, falamos do agronegócio, falamos da potencialidade de nosso país, e falamos também que era inadmissível o país ter a quantidade que tinha de terras demarcadas para índios e quilombolas. Os índios são nossos irmãos, são nossos parceiros, eles merecem a sua terra, mas dentro de sua razoabilidade. A ONU queria, conforme detectado, que nós passássemos de 14% para 20%. Falei-lhes: não. Nós não podemos sufocar aquilo que nós temos aqui, que tem nos garantido a nossa segurança alimentar e de mais de um bilhão de pessoas no mundo”, concluiu.
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Avião de Bolsonaro arremete
Com a visibilidade comprometida em razão da cortina de fumaça advinda de queimadas no Pantanal, o avião do presidente Jair Bolsonaro arremeteu na chegada a Sinop, em Mato Grosso. O próprio chefe do Executivo contou o ocorrido durante discurso em uma homenagem promovida por representantes do setor de agronegócio.
“Hoje, quando o nosso avião foi pousar, ele arremeteu. É a segunda vez que acontece na minha vida, uma vez foi no Rio de Janeiro e, obviamente, sempre é algo anormal que está acontecendo. No caso, é que a visibilidade não estava muito boa. Para a nossa felicidade, na segunda vez, conseguimos pousar”, explicou.
Além do presidente, estavam no avião o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e o chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. A empresa responsável pela administração do aeroporto de Sinop, Centro-Oeste Airport (COA), informou ter registrado situações semelhantes nos últimos dias. A empresa também esclareceu que o procedimento adotado pelo piloto da aeronave presidencial é “comum”.
Em imagens postadas pelo mandatário nas redes sociais, é possível perceber a névoa seca de fumaça. Após a solenidade em Sinop, Bolsonaro cumpriu agenda em Sorriso, mas seguiu de carro para a cidade. Lá, participou do evento de entrega de títulos de propriedade rural e do lançamento simbólico do plantio de soja.
Durante a visita no local, o presidente não usou máscara, cumprimentou apoiadores com apertos de mãos, tirou selfies com adultos e crianças em meio à aglomeração. Segurou um cachorro, que chegou ao colo do presidente entregue por apoiadores. No final da tarde, Bolsonaro retornou a Brasília.