Especialista na área de tributação e apaixonada pelo assunto, a servidora licenciada da Receita Federal Zayda Manatta está prestes a completar, em outubro, um ano à frente da chefia das secretarias do Fórum Global de Transparência e Intercâmbio de Informações Tributárias da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado clube dos países ricos. A psicóloga baiana é a primeira brasileira a ocupar o cargo que é do staff da OCDE, sediada em Paris. Criado em 2009, o Fórum tem como objetivo padronizar as informações tributárias e facilitar o intercâmbio entre as 161 jurisdições participantes.
Em entrevista ao Correio, a executiva conta que está coordenando os trabalhos para divulgação, no fim do ano, de uma avaliação dos países monitorados e que contará com uma lista negra dos que não estão respeitando as regras. “O Brasil tem avaliação satisfatória”, adianta. “Tem alguns aspectos a serem melhorados, mas, no geral, está em conformidade”, complementa. De acordo com Zayda, em 2019, o intercâmbio de informações no Fórum envolveu 10 trilhões de euros (R$ 63,1 trilhões, no câmbio atual) em ativos. A regularização total de bens no exterior somou 102 bilhões de euros (R$ 642,6 bilhões), dos quais 12 bilhões de euros (R$ 75,6 bilhões) foram de brasileiros.
Como está sendo a experiência na OCDE?
Tem sido bastante interessante e o trabalho é bem rico. O fato de o Fórum ter 161 jurisdições é bastante desafiador. É muito enriquecedor conciliar os diferentes estágios de desenvolvimento e diferentes interesses e tentar avançar, garantindo que, nesse processo, nenhuma jurisdição fique para trás, ou não seja considerada. O processo de discussão e de aprovação dos documentos, dos programas de trabalhos e dos relatórios, é sempre um consenso. No caso de revisão, de consenso menos um. No ano passado, o Fórum comemorou 10 anos. Muitos países que resistiram, no primeiro momento, deram depoimentos positivos e contrários às posições iniciais, reconhecendo a importância desse movimento em busca da transparência. Hoje, praticamente, é o fim da era de sigilo bancário para fins tributários no mundo. São poucas jurisdições que ainda têm isso. E as ações ao portador são espécie em extinção no mundo.
E como é feito o trabalho do Fórum?
Temos, basicamente, três linhas de trabalho. O primeiro aspecto é garantir que a informação esteja acessível. O Fórum verifica se os países estão se adequando aos padrões de intercâmbio a pedido de informações tributárias para identificar o montante de impostos a serem pagos, ainda que ela esteja no exterior. O segundo aspecto é garantir acesso à informação. E o terceiro é ter uma base legal para fazer intercâmbio dessas informações. Ou seja, existe um acordo internacional que permite esse intercâmbio. O Fórum faz a revisão dos países a partir de um grupo de avaliadores. Hoje, estamos na segunda rodada de avaliação dos países e o processo é bastante intenso. Os relatórios são revisados para verificar se cada palavra se está, de fato, em conformidade com a realidade e o entendimento do Fórum. O acesso às informações financeiras é automático em, mais ou menos, 100 jurisdições, incluindo todos os países-membros da OCDE e do G20 (grupo das 19 maiores economias do planeta e a União Europeia) e todos os principais centros financeiros internacionais.
Quais são os resultados deste trabalho?
Para ter uma ideia, foram intercambiadas informações de 10 trilhões de euros em ativos pelo Fórum no ano passado. E isso é muito significativo. E muitos países, como o Brasil, iniciaram programas de regularização espontânea de ativos. O acordo foi para a troca de informações para fins tributários. O montante total que foi regularizado mundialmente no exterior, incluindo multas e juros, foi de 102 bilhões de euros. No Brasil, foram mais ou menos 12 bilhões de euros. E isso foi identificado pelos programas de investigações com base nas informações das instituições financeiras. O Fórum também fez uma avaliação que deve sair com a nota dos países no fim do ano. O relatório vai mostrar as notas dos países que estão em conformidade com os standards.
E como está esse relatório? A senhora pode adiantar alguma informação?
Ele vai sair em dezembro. É uma avaliação do sistema legal das normas, mostrando se os países estão em conformidade com as regras da OCDE. E, posteriormente, vamos avaliar a efetividade e como estão implementando essas regras. O prazo para esse processo foi adiado para 2022, devido à pandemia de covid-19 à necessidade de mais tempo para as pessoas se adequarem. O Fórum tem prestado assistência técnica também, principalmente, para países em desenvolvimento, para eles serem bem avaliados e possam usar o instrumento para colher informações e coletar imposto no final. Não comentei, mas o Fórum também elabora uma lista negra de instituições e países que não estão jogando com essas regras da OCDE. Isso tem um impacto muito grande e até um risco reputacional e financeiro.
E o Brasil está nessa lista negra?
Não. Ele tem avaliação satisfatória. Existem quatro categorias nesse ranking: Totalmente conforme, Conforme na maioria dos casos, Parcialmente conforme e Não conforme. O Brasil é Conforme na maioria dos casos. Tem alguns aspectos a serem melhorados, mas, no geral, está em conformidade. No Fórum, o Brasil não tem grandes dificuldades.
Como é feito esse mapeamento?
Existem 161 jurisdições, e não apenas países, porque tem algumas ilhas consideradas paraísos fiscais que são vinculadas a eles. Um estudo da OCDE mostra que, quando começou o intercâmbio automático de informações tributárias, houve uma movimentação desses recursos saindo de centros financeiros em paraísos fiscais. Isso mostra que o intercâmbio de informação tem impacto na alocação de riqueza. Esse é um dos instrumentos mais poderosos, na verdade, para ajudar as administrações tributárias para identificar a evasão fiscal, e, em alguns casos, ajudar no planejamento tributário. Além disso, ajuda a identificar tráficos ilícitos, como corrupção e lavagem de dinheiro. O Fórum tem sido reconhecido pela comunidade internacional sobre importância dele e o acesso à informação.
Nos relatórios da OCDE sobre corrupção, o Brasil não costuma ser bem avaliado. Esse é um dos itens que podem ser um problema para o processo de adesão do país na OCDE?
Há alguns meses houve uma missão da OCDE para o Brasil, mas eu não tenho contato com esse grupo, apesar de ter alguns colegas próximos. Este é um dos painéis que o Brasil precisa avançar e se adequar. Na parte tributária, também. Neste caso, o país tem feito o dever de casa e tem avançado, como na área de preço de transferência. Há um projeto em parceria com a OCDE que está sendo discutindo para fazer a adequação do sistema tributário. As discussões ocorrem, inclusive, com o setor privado, sobre como fazer a transição para adequar normas ao padrão da OCDE. E o que foi verificado é que as normas brasileiras, hoje, permitem muita arbitragem e há muito abuso por parte do contribuinte. A adequação vai trazer benefícios para o Brasil.
Medidas como a do Banco Central, que elevou de US$ 100 mil para US$ 1 milhão o valor mínimo de bens no exterior com obrigatoriedade de serem declarados não dificultam esse processo de combate à corrupção?
Não vi a medida do Banco Central.
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