O governo decidiu fatiar a proposta de reforma administrativa prevista para ser encaminhada nesta quinta-feira (3/9) ao Congresso, em uma estratégia para evitar resistências logo no início das discussões. Ficarão de fora da primeira etapa os pontos mais polêmicos, como remuneração inicial dos servidores, faixas salariais para progressão de carreira, cargos que perderão a estabilidade e as funções que serão extintas. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) trará apenas as diretrizes gerais da reforma.
Ficou acertado também que a maioria dos projetos destinados à regulamentação de pontos específicos será encaminhada ao Congresso após a aprovação da reforma. Já os dispositivos que não dependem de alteração constitucional poderão ser apresentados pelo Executivo enquanto a PEC estiver tramitando.
A proposta do governo define três níveis de estabilidade no funcionalismo. No primeiro estarão as carreiras típicas de Estado, como diplomatas, militares e auditores fiscais, que seguirão amparados por regras semelhantes às atuais, entre as quais a segurança no cargo. A definição da lista de carreiras, porém, deve ser objeto de regulamentação posterior à aprovação da PEC.
Em relação aos demais servidores concursados, haverá um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com estabilidade mais flexível. Dessa forma, o governo teria mais facilidade para demitir servidores em razão de restrições fiscais.
Em um terceiro nível, sem estabilidade, estarão trabalhadores que poderão ser contratados com prazo determinado. A intenção do Executivo é repassar a esses funcionários apenas demandas pontuais e temporárias.
A flexibilização da estabilidade no funcionalismo, vista como instrumento de redução de custos pelo governo, é considerada pelos críticos, porém, como uma ameaça à lisura no serviço público, já que os funcionários ficariam à mercê de pressões políticas.
Desempenho
O fatiamento divulgado nesta quarta-feira (2/9), no entanto, é praxe. “Não existe reforma administrativa de uma tacada só. O governo não pode fazer tudo no primeiro momento, em respeito ao processo legislativo. A princípio, tem que mexer na Constituição, nos fundamentos do serviço público, como, por exemplo, estabilidade, regime jurídico, estágio probatório, para depois, então, encaminhar os demais projetos”, esclarece Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate).
A PEC a ser apresentada hoje ao Congresso deve incluir também as bases para as novas regras de avaliação de desempenho, que serão mais rígidas, enquanto as progressões automáticas poderão ser extintas. Essa seria uma das poucas mudanças que passariam a valer para os atuais servidores, não apenas para os futuros. Por determinação do presidente Jair Bolsonaro, a reforma administrativa não deve atingir os que já estão no serviço público.
Esse último ponto, no entanto, não é unanimidade entre os servidores. Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), lembra que, na reforma da Previdência, o governo também disse que nada aconteceria com os atuais trabalhadores da administração federal. “Grande engano. Está aí o prejuízo. Temos que trabalhar mais anos e contribuir mais. Então, o discurso de que não atingirá os atuais não nos engana”, avisa.
O deputado Tiago Mitraud (Novo/MG) admite que já está claro que alguns aspectos na reforma administrativa alcançarão os atuais servidores. “Depende do que estamos falando. Se é sobre estabilidade, certamente não. Mas se for sobre desempenho, supersalários, estrutura de carreiras, regras de progressões e promoções, entre outros pontos, todos, sem distinção, devem participar, dentro do que for possível”, afirmou.
Mitraud disse, na terça-feira, que a estabilidade não “é vaca sagrada, nem bala de prata” e que poderia ser discutida. É um sistema que existe no mundo inteiro e protege o funcionário, mas não pode ser automático, já que o estágio probatório, segundo ele, nos termos atuais, é protocolar. “A estabilidade tem que ter adequação periódica e uma regra justa. Mas, esse ponto, reforço, só poderá mudar para os próximos servidores”, destacou.
Para o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, o assunto está fora de questão. A estabilidade é fundamental para que os servidores atuem de acordo com a lei, com independência. “É muito importante que o servidor tenha garantias de que ele pode obedecer às leis, apesar das orientações dos seus superiores e dos gestores públicos. O que norteia a ação do servidor é, sobretudo, a lei”, afirmou o deputado.
“Não é possível tirar a estabilidade do servidor em um país com forte componente patrimonialista”, destaca Israel Batista. Outra preocupação do parlamentar é com a avaliação de desempenho. “Ela precisa ser feita, mas não da forma que vem sendo discutida, subjetiva”, afirmou.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), adiantou que um dos pilares da reforma administrativa, apenas para os novos servidores, será reduzir o número de cargos vagos existentes. “Se tem um percentual grande de pessoas que se aposentam ou migram para o setor privado, não vai ter concurso para preenchimento dessas vagas, e isso vai ter um impacto grande”, apostou, sem dar números. “O presidente se comprometeu em fazer essa reforma e ele vai fazer”, garantiu. Colaborou Rosana Hessel.
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Mil cargos na Câmara
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu início a discussões sobre uma reforma administrativa exclusiva para servidores da Casa. A proposta inclui a extinção de mil cargos efetivos, que não serão mais preenchidos. A ideia é que o projeto seja votado em outubro, segundo informou Maia a líderes partidários, em reunião na tarde desta quarta (2/9).
O líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), deu alguns detalhes da proposta. “O projeto prevê a extinção de mil cargos efetivos, 663 de imediato e 337 na medida em que forem vagando com aposentadorias ou a saída das pessoas. Cargos que poderiam estar aguardando a realização de concurso público, por exemplo”. Efraim Filho disse, ainda, que a votação sobre a reforma administrativa da Câmara deve ocorrer em outubro, após discussões no mês de setembro.
No Legislativo, a dificuldade de mudança pode ser maior do que se imagina. Todo o esforço de economia com a máquina pública pode ficar restrito apenas aos servidores, sem mexer nas vantagens dos parlamentares. Nas verbas de gabinete, por exemplo. Na Câmara, o valor mensal é de R$ 111.675,59 por deputado, para pagamento de salários de até 25 secretários parlamentares que trabalham para o mandato, em Brasília ou nos estados.
O deputado Tiago Mitraud (Novo/MG), presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, disse que “o ideal é reduzir tudo isso”. “Mas a parte política da estrutura de cada gabinete não permite uma mudança imediata. É uma questão que não deve entrar na conta agora”, destacou.
Maia também apresentou as bases do projeto para o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. Segundo Batista, cada um dos três Poderes precisa apresentar proposta própria de reforma administrativa. O Correio entrou em contato com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — órgão responsável pelo planejamento estratégico do Poder Judiciário, mas não obteve retorno até o fechamento da edição. (VB, JV e RH)