Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que a Corte mantenha o foro privilegiado para o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), acusado de chefiar um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, na época em que ele era deputado estadual. O entendimento é oposto ao que defendeu o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que pede a suspensão da proteção, alegando que o parlamentar perdeu o foro quando deixou a cadeira Alerj. Por conta da prerrogativa, o senador deixa de ser julgado por um único magistrado.
Após decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, o caso envolvendo Flávio saiu das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e passou para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, colegiado formado por 24 desembargadores, mais o presidente. No documento enviado ao Supremo, assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, a PGR alega que, ao restringir o foro privilegiado, a Corte não avaliou todas as situações possíveis.
Para a Procuradoria, o senador seria beneficiário do chamado “mandato cruzado”, quando um político deixa um cargo e é eleito para outro, como o caso de Flávio, que era deputado estadual e virou senador. “Da mesma forma que não há definição pacífica do STF sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do estado da Federação no Senado”, diz um trecho da defesa do benefício de Flávio feita pela PGR.
Decisões
Em 1999, o Supremo decidiu que o foro privilegiado deixa de valer com o fim do mandato, mesmo que os crimes investigados tenham relação com as atividades exercidas no cargo. Em 2018, outra decisão restringiu acesso à prerrogativa. O plenário da Corte entendeu que o foro não se aplica quando os fatos investigados não têm relação com a atividade parlamentar, ou com o cargo, no caso das demais autoridades.
A Procuradoria destaca, ainda, que não há “efeito vinculante” na decisão do STF que restringiu o alcance do foro privilegiado. “A decisão, com efeito, não foi proferida em sede de controle concentrado. Não vincula os demais órgãos do Poder Judiciário. Não há efeito vinculante em julgamento proferido no bojo de uma ação penal, cujo desfecho limita-se a condenar ou absolver. A questão de ordem, a seu turno, é de índole endógena, não sendo possível atribuir-lhe efeito vinculante”, registra o documento.
Em outro trecho, Medeiros ainda faz referência ao fato de que o MP-RJ perdeu o prazo para apresentar recurso à decisão da 3ª Câmara Criminal que garante foro a Flávio.
Medeiros também afirmou que a “reclamação” interposta pelo Ministério Público não pode ser usada para “alcançar entendimento inédito” e defendeu a rejeição. “A reclamação constitucional não é instrumento destinado a fazer tese do porvir (criar fonte do direito) no âmbito da jurisdição originária do Supremo Tribunal Federal, sob pena de desvirtuar tanto a sua natureza quanto a competência de direito estrito do próprio Supremo Tribunal Federal”.
A ação do MP-RJ foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes porque ele já é relator de uma outra ação, movida pela defesa de Flávio, no âmbito das mesmas investigações. O magistrado deve levar o caso para a Segunda Turma do STF.