Foi preciso que Paulo Guedes alertasse Jair Bolsonaro sobre o risco de ele sofrer um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal para que o presidente assumisse, ontem, em rápida coletiva no começo da noite, seu compromisso com a manutenção do teto de gastos. A possibilidade de repetir os passos da ex-presidente Dilma Rousseff, explicitada pelo ministro da Economia, forçou o arrefecimento das pressões pelo desembolso.
A tentação pelo aumento de gastos tem origem na autorização, dada pelo Congresso por causa da crise provocada pela pandemia, para o governo gastar este ano, sem respeitar regras de contenção de despesas –– estimativas do mercado apontam para um rombo de quase R$ 900 bilhões nas contas públicas. Mas, para 2021, o aval para gastar sem limites não está dado. Por isso, o sinal de alerta está aceso.
O Orçamento do próximo ano tem pouquíssimo espaço de manobra para aumentasse desembolsos com os programas que Bolsonaro pretende criar, e para atender às demandas de parlamentares e de ministros do governo. A previsão de investimento no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021 é inferior a R$ 10 bilhões.
O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), não tem dúvidas de que o teto será rompido ano que vem. Ele reconheceu que Bolsonaro pode repetir os mesmos erros de Dilma se não seguir a cartilha da responsabilidade fiscal e não tiver uma estratégia para a retomada bem elaborada.
“O risco é voltarmos às práticas da contabilidade criativa. Isso deve ser evitado. O ajuste fiscal dependerá, daqui em diante, de termos um plano de voo bem formulado. Para quem não sabe onde quer chegar, todos os ventos acabam sendo desfavoráveis”, explicou.
De acordo com dados de um relatório do Bradesco divulgado ontem, apesar de ter sido implementado há poucos anos, o cumprimento da regra do teto está cada vez mais desafiador. “Apesar do efeito positivo de médio prazo da aprovação da reforma da previdência, as reformas adicionais necessárias para manter o teto tiveram suas discussões postergadas por conta da pandemia e, sem aprovações rápidas, há uma insuficiência potencial de cerca de R$ 15 bilhões para o seu cumprimento no próximo ano”, destacou o relatório dos economistas Fernando Honorato e Myriã Bast.
A emenda constitucional do teto, aprovada em 2016, limita o aumento de despesas primárias como gasto com pessoal, Previdência Social e investimentos à inflação do ano anterior e é vista pelo mercado como uma âncora fiscal para evitar um novo descontrole nas contas públicas. Logo, se mudar a regra, poderá enfrentar a perda de credibilidade sobre a capacidade de conter o aumento de gastos.
Dilma deixou a Presidência, em 2016, após ser enquadrada no crime de responsabilidade fiscal pelas chamadas “pedaladas fiscais”. Mas o que a levou ao processo de impeachment foi a deterioração das contas públicas, após o excesso de gasto público além da crise financeira global de 2008 e 2009. O aumento dos gastos públicos acabou se estendendo pelos anos seguintes; pioraram o quadro fiscal e, desde então, o endividamento do país só cresce, agravando a recessão atual. O resultado das contas públicas passou para o campo negativo desde 2014 e, pelas estimativas da IFI, não deve voltar ao azul nesta década.
A especialista em contas públicas e uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, Selene Peres Nunes, reforçou que a manutenção dessa âncora fiscal vem garantindo que a taxa básica de juros (Selic) esteja no patamar atual, o menor da história. “O governo não vai conseguir evitar nova alta nos juros se não controlar o aumento de gastos”, alertou.