Para não ver o seu principal superministro deixar o governo depois de uma surpreendente debandada no Ministério da Economia, o presidente Jair Bolsonaro fez acenos a Paulo Guedes e saiu em defesa das pautas tidas como prioritárias pelo economista. Em meio a uma guerra de poder na Esplanada dos Ministérios e de pressões dos chefes de algumas pastas para que o Executivo use mais recursos públicos em novos empreendimentos de infraestrutura, o comandante do Planalto tomou partido da situação, ontem, e disse que o “norte” da sua gestão é a responsabilidade fiscal e o teto de gastos.
Na terça-feira, ao revelar a insatisfação de integrantes do seu ministério com o andamento da política econômica do governo, Guedes alertou o presidente de que ele poderia responder a um processo de impeachment por eventual descuido com as contas públicas.
Depois de usar as redes sociais para afagar Guedes, Bolsonaro convocou uma reunião à tarde com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e lideranças parlamentares, além de Guedes e dois dos ministros que teriam sido os alvos do que o chefe da Economia chamou de “ministros fura-teto” há dois dias: o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.
Com o ministro da Casa Civil, Braga Netto, eles são os principais entusiastas do plano de recuperação do país pós-pandemia, que prevê o uso de recursos da União para obras públicas, o Pró-Brasil (leia reportagem na página 5).
O próprio Guedes, porém, é tachado de fura-teto, visto as ações adotadas pela Economia para enfrentar a covid-19. Recentemente, a pasta divulgou estimativa de rombo de pouco mais de R$ 787 bilhões nas contas públicas deste ano, motivado, principalmente, pela aprovação de créditos extraordinários voltados ao combate à crise sanitária.
No encontro surpresa de ontem, Bolsonaro reforçou o compromisso de respeito ao teto de gastos. “No que pese o problema da pandemia, o Brasil está indo bem. A economia está reagindo, e resolvemos, com essa reunião, direcionar mais de nossas forças para o bem comum”, declarou. “Nós respeitamos o teto dos gastos, queremos a responsabilidade fiscal”, emendou, em pronunciamento à imprensa no Palácio da Alvorada, após a reunião.
Bolsonaro fez coro às privatizações e à reforma administrativa. A falta de resultados em ambos temas foi o principal motivo para as saídas de Salim Mattar, que era secretário de Desestatização e Privatização, e Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Ele reclamou, em rede social, que o atraso, principalmente, no andamento da agenda de desestatização, foi provocado por decisão de 2019 do Supremo Tribunal Federal, que barrou a venda de estatais sem anuência do Congresso.
“Os desafios burocráticos do Estado brasileiro são enormes. O Estado está inchado e deve se desfazer de suas empresas deficitárias, bem como daquelas que podem ser melhor administradas pela iniciativa privada”, escreveu, em rede social.
O gesto do presidente significa que ele entendeu o peso das baixas no Ministério da Economia. Salim Mattar e Paulo Uebel têm boa relação com o mercado financeiro. A saída deles representou a perda de dois bons interlocutores com o empresariado e, mais importante, foi um indicativo de que o setor privado começa a desconfiar da agenda liberal do governo e da promessa de redução dos gastos públicos.
O chefe do Executivo tentou amenizar o clima, dizendo que “em todo o governo, pelo elevado nível de competência de seus quadros, é normal a saída de alguns para algo que melhor atenda a suas justas ambições pessoais” e que ele e os ministros “continuam unidos e cônscios da responsabilidade de conduzir a economia e os destinos do Brasil com responsabilidade”.
“Nós respeitamos o teto dos gastos, queremos a responsabilidade fiscal. O Brasil tem como, realmente, ser um daqueles países que melhor reagirá à questão da crise”
Jair Bolsonaro, presidente da República