» ROSANA HESSEL
» MARINA BARBOSA
Pelas críticas que recebeu de parlamentares sobre o fatiamento da reforma tributária do Executivo, ontem, em audiência pública da comissão especial que trata do tema, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai encontrar dificuldades pela frente para aprovar o novo imposto digital. A proposta, que tem uma formatação parecida com a da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), ainda não foi encaminhada ao Congresso, e deputados e senadores já avisaram que não aceitarão aumento de carga tributária.
Ao mesmo tempo em que elogiava o Congresso por ser reformista, com o objetivo de evitar confronto direto, Guedes prometeu que o governo não pretende aumentar a carga tributária. E, como defesa, chamou de “maldade” ou “ignorância” quem chama o novo tributo de CPMF. Ele ainda afirmou que quem não gosta desse tributo, na verdade, é porque não quer deixar a digital e “se esconder atrás dos pobres do Bolsa Família afirmando que a nova CPMF é regressiva”. “Há muito rico escondido atrás do pobre. Aliás, o rico é quem mais faz transação (eletrônica), é quem mais consome serviço digital, serviço de saúde, serviço de educação, lancha, barco, caviar, e está isento, se escondendo atrás do pobre”, enfatizou.
Na audiência, deputados e senadores exigiram que Guedes apresente logo a proposta de reforma mais ampla. “Nunca li um livro onde o autor vai entregando os capítulos aos poucos”, disse o senador Orivosito Guimarães (Pode-PR). Ele comparou as propostas de emenda constitucional do Senado (PEC 110/2019) e da Câmara (PEC 45/2019), nas quais disse que consegue ter uma ideia global do que pensam os relatores dessas duas matérias. “Mas eu não consigo saber o que pensa o governo. São tantas apreensões sobre o que vem depois… O senhor precisa colocar todas as cartas na mesa. Ia ajudar muito”, defendeu.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senadora Simone Tebet (MDB-MS), também criticou a falta de uma “espinha dorsal” para o texto que deve ser discutido no Congresso. Para ela, uma proposta de reforma tributária será inviável se houver aumento de imposto. “Temos de bater na tecla o tempo todo de que não vai haver aumento de impostos. Se tiver, que seja para os grandes, não para a classe média e os mais pobres”, reforçou.
Diante das críticas, Guedes prometeu enviar as demais propostas da reforma fatiada “nos próximos dias”. Ele ainda admitiu que será preciso conversar mais sobre o novo imposto, assim como a tributação de dividendos e outras medidas que estão por vir. “Faço o mea culpa. Podíamos estar falando mais, mas estamos trabalhando muito em outras frentes. Estamos em uma pandemia”, argumentou.
O ministro assegurou que o governo vai cumprir a promessa de campanha e não pretende aumentar a carga tributária. Ele reconheceu que a carga já está em 36% do Produto Interno Bruto (PIB) e classificou o atual sistema de “manicômio” tributário. “Não vamos aumentar a carga tributária. Estamos num programa de simplificação e redução de impostos. A carga tributária pode ser a mesma, mas nós vamos substituir 10, 15, 20 impostos por um, mais três por um. Por exemplo, estamos substituindo, agora, dois — PIS-Cofins — por um, e assim seguiremos fazendo”, afirmou, citando a primeira etapa da proposta que encaminhou ao Congresso.
Provocações
A audiência pública virtual da comissão mista foi recheada de provocações. De um lado, os parlamentares repetiam que não aceitariam aumento de carga tributária nem a criação de um imposto similar à CPMF. Do outro, Guedes tentava postergar o debate técnico sobre o novo tributo, mas reclamava que ninguém pode interditar essa discussão porque o debate a respeito “dos impostos sobre os novos setores digitais” é “inevitável”. Incomodado, o ministro ainda reclamou que “não podemos ter interdição, nem nenhuma sombra de absolutismo” nessa discussão.
O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ressaltou que ninguém vai travar o debate, mas cobrou do governo que coloque logo todas as cartas da proposta na mesa e lembre que o Parlamento é soberano. Ele destacou que a comissão mista pode discutir a tributação da economia digital, como defende Guedes, desde que essa medida não amplie a carga tributária. “Nem este relator, nem o Parlamento, nem o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) estarão interditando o debate. O debate está aberto. Estamos ouvindo, há mais de um ano, o setor produtivo, os entes federativos. Estamos ouvindo quem quer participar do debate”, disparou.
Ribeiro disse que há muitos pontos consensuais em relação ao assunto. Entre os quais, o entendimento de que o sistema tributário precisa ser mais justo, simples e transparente. Isto é, fazer “justiça social e tributária”, permitindo que “quem ganha mais, pague mais e quem ganha menos, pague menos”; simplificar a complexidade tributária, para reduzir os custos e a insegurança jurídica que ronda o setor produtivo e diminui a produtividade brasileira; e dar transparência a esse sistema, para que todos saibam quanto estão pagando de imposto. Outra premissa básica da reforma, segundo o parlamentar, é impedir aumento de carga tributária. “Qualquer imposto que seja criado para aumentar a carga tributária não contará com minha participação”, avisou.
Guedes admitiu que deixou a proposta da CPMF para depois por conta da resistência do Congresso e da sociedade civil. “Temos de começar pelo que nos une, que é o IVA (Imposto sobre Valor Agregado). E não pelo que eventualmente pode nos desunir”, alegou.