O plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) deve julgar amanhã a ação contra o procurador da República e coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. O texto, elaborado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), defende o afastamento de Dallagnol da força-tarefa “a bem do interesse público” e a transferência dele para outra unidade do Ministério Público Federal (leia Para saber mais).
Neste julgamento, os 11 conselheiros que fazem parte do colegiado decidirão se o CNMP abre ou não um processo para avaliar se Dallagnol deve ser removido do MPF na capital paranaense. O presidente do conselho é o procurador-geral da República, Augusto Aras, que nos últimos meses entrou em conflito com a força-tarefa.
Tudo começou em junho, quando Aras deu aval para que uma de suas auxiliares mais próximas, a subprocuradora Lindora Araújo, responsável pela Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), fosse até Curitiba para recolher dados sigilosos da operação sem que os integrantes da força-tarefa tivessem conhecimento. Além disso, Aras já chamou a Lava-Jato de uma “caixa de segredos” e reclamou que “não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos”.
No início deste mês, um pedido da defesa de Dallagnol para que o plenário do CNMP não analisasse a proposta nesta terça-feira foi negado pelo relator da ação no conselho, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho. Segundo os advogados do coordenador da Lava-Jato, a inclusão do julgamento na pauta seria “prematura antes da análise do pedido de produção de prova oral, realização do interrogatório e abertura de prazo para oferta de alegações finais.”
Mello Filho, contudo, pautou o julgamento. O conselheiro não aceitou o argumento da defesa e explicou que “a fase processual em que o feito se encontra, vale dizer, a fase de exame da necessidade da abertura do processo de remoção por interesse público, não comporta a análise aprofundada de questões que envolvam o mérito do processo, de modo que o exaurimento da matéria debatida deverá ser feita no momento processual adequado, quando, então, o eventual relator do caso poderá analisar a pertinência das provas requeridas”.
Apesar da derrota, Dallagnol espera uma resposta do Supremo Tribunal Federal (STF). Na segunda-feira da semana passada, a defesa dele recorreu à Suprema Corte. Os advogados pedem que a ação no conselho não seja analisada até que o pedido feito ao STF seja examinado. O relator é o ministro Celso de Mello, que não estabeleceu um prazo para analisar o recurso.
A defesa de Dallagnol também pede que a ação protocolada no CNMP pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) contra o procurador não seja julgada. O parlamentar questiona mensagens publicadas pelo coordenador da Lava-Jato nas redes sociais nas quais afirmou que se Renan fosse eleito para a presidência do Senado em 2019, haveria dificuldade na aprovação de projetos de combate à corrupção.
Este pedido pode acarretar uma série de punições contra Dallagnol, como censura, afastamento temporário e até aposentadoria compulsória. No entanto, ainda não há previsão de quando o plenário do conselho julgará a ação.
“Enfraquecimento”
Em recente entrevista ao Correio, Dallagnol afirmou que o seu “afastamento forçado da maior operação anticorrupção da história brasileira, que pode acontecer para cidade distante de Curitiba, intimidaria pelo exemplo e enfraqueceria a independência do trabalho do Ministério Público”. “Seria o primeiro caso de afastamento dissociado de uma atuação leniente, mas, sim, aguerrida e combativa”, protestou.
No fim de semana, ele recebeu o apoio de procuradores da República que integram ou já integraram a força-tarefa da Lava-Jato no Paraná e na Procuradoria Regional da República da 4ª Região. Em abaixo-assinado, o grupo alertou que, caso a transferência de Dallagnol de Curitiba seja autorizada, “as condições para a continuidade dos trabalhos na força-tarefa com independência será inviabilizada”.
“Caso o CNMP decida pela remoção de ofício de Deltan Dallagnol, serão abalados o direito constitucional à livre manifestação e expressão, bem como as garantias da independência funcional e da inamovibilidade, que, diga-se, existem para a defesa da sociedade”, afirmaram os procuradores.
Segundo eles, “o debate subjacente ao julgamento não é, na verdade, sobre o procurador Deltan Dallagnol, mas sobre o futuro da Lava-Jato, da causa anticorrupção e das garantias constitucionais da independência funcional e da inamovibilidade de membros do Ministério Público”.
“O que está em jogo é a capacidade institucional de proteger promotores e procuradores que trabalham contra a grande corrupção estabelecida em diversas esferas de governo no Brasil. Permitir um ataque a um membro do Ministério Público no exercício legítimo e regular de suas atribuições é permitir o ataque à própria Instituição do Ministério Público.”
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O pedido da senadora
Na ação apresentada ao CNMP, a senadora Kátia Abreu alega que Dallagnol teria realizado palestras como uma forma de “alavancar a imagem pessoal” e depois “monetizar aparições públicas”.
A parlamentar cita, ainda, o acordo firmado pela Lava-Jato com a Petrobras em janeiro de 2019 para que R$ 2,5 bilhões da estatal recuperados pela força-tarefa fossem destinados a uma fundação administrada por procuradores da Operação.
Segundo Kátia, o coordenador da Lava-Jato colocou em risco a operação por conta das suas atitudes e, por isso, precisa ser retirado da força-tarefa para não comprometer o trabalho da unidade de investigação.
Ela frisa que a representação tem como objetivo “resguardar as condições de atuação minimamente isenta do Ministério Público” e também afirma que “o pedido de remoção por interesse público não representa um ato de hostilidade à Operação Lava-Jato, mas sim, uma medida que busca atender ao interesse público e conferir credibilidade à persecução penal conduzida pela força-tarefa”.
Informações "desmentidas"
O delegado de Polícia Federal Marcelo Feres Herda concluiu o relatório de um dos inquéritos abertos a partir da delação do ex-ministro Antônio Palocci (Fazenda/governo Lula e Casa Civil/governo Dilma), envolvendo suposta ocultação de valores atribuídos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contas no Banco BTG Pactual.
No documento enviado ao Ministério Público Federal, Daher apontou que as afirmações feitas pelo delator “foram desmentidas por todas testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça” e “parecem todas terem sido encontradas em pesquisas na internet, porquanto baseadas em dados públicos, sem acréscimo de elementos de corroboração, a não ser notícias de jornais”.
“No presente caso, as notícias jornalísticas, embora suficientes para iniciar o inquérito policial, parecem que não foram corroboradas pelas provas produzidas, no sentido de dar continuidade à persecução penal, conforme acima descrito”, registrou o delegado no relatório.
Palocci foi preso em setembro de 2016, na Operação Omertà, desdobramento da Lava-Jato. Condenado pelo então juiz federal Sergio Moro a doze anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e acuado por outras investigações da Lava Jato, Palocci fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal no Paraná — a força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba se opôs ao acordo.