O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) voltou a criticar a postura do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus e repudiou relatório produzido pelo Palácio do Planalto que associou morte e infecções pela covid-19 a governadores e prefeitos. “Aliás, os números da ciência indicam que, se não fosse pelos governadores, teríamos mais de 500 mil mortes. Bolsonaro sempre foi um negativista, dizia que era um resfriado, uma gripezinha”, afirmou, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.
O tucano também comentou sobre a proposta de reforma tributária do governo e disse que a intenção do texto é elevar a carga de tributos. “Gosto do Guedes e o respeito, porque temos 35 anos de amizade, mas eu não apoio qualquer iniciativa que signifique aumentar impostos”, destacou, numa referência ao ministro da Economia, Paulo Guedes. O governador ainda defendeu que empresas estatais, como os Correios sejam privatizadas.
Na área da saúde, Doria falou sobre os testes de vacinas contra covid-19 e das perspectivas de a imunização chegar a todos os brasileiros. O tucano driblou a pergunta sobre se lançar candidato à Presidência da República em 2022, mas garantiu que não buscará a reeleição ao governo de São Paulo. Confira a entrevista completa:
O país chegou a 100 mil mortes, e São Paulo, a 25 mil. Nesse contexto, o governo federal entra em conflito com governadores. Quem errou?
A pandemia é mundial, não apenas brasileira. São 216 países que sofrem com isso. A maior economia do planeta, os Estados Unidos, tem o maior número de mortos e contaminados. Infelizmente, milhões de pessoas perderam suas vidas e milhões foram infectadas. Não é culpa nem de governadores nem de alguém individualmente. Mas é importante dizer que os governadores estão cumprindo bem a quarentena. Todos os estados estão em quarentena. Todos os governadores cumpriram bem seu papel, mas não podemos falar o mesmo do Bolsonaro. É injusto o relatório do governo responsabilizar os governadores por mortos e infectados pela covid-19. Aliás, os números da ciência indicam que, se não fosse pelos governadores, teríamos mais de 500 mil mortes. Bolsonaro sempre foi um negativista, dizia que era um resfriado, uma gripezinha. Ele afirmou isso várias vezes e continua assim: não usa máscara, não apoia o isolamento. Demitiu dois ministros que defenderam a ciência, o isolamento. Colocou um ministro interino que tem feito até um bom trabalho, mas já foi criticado por defender o isolamento social. Quem ajudou a defender vidas foram os governadores, não Bolsonaro.
Como foi o encontro com Bolsonaro logo após a reunião ministerial de 22 de abril?
É triste lembrar que as reuniões são feitas daquela forma, com aquele linguajar, com aquele estilo e com aquele descompromisso, não só com a verdade como com a eficiência administrativa. Aqui em São Paulo, as reuniões são bem objetivas, têm hora para começar e acabar, e são concretas: não têm palavrão, acusação, como aquela triste reunião. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro foi fazer a reunião com os governadores, e eu cobrei dele explicações sobre o que disse de mim e dos meus colegas. Não é um comportamento adequado para ninguém, muito menos para um presidente da República. Muito antes daquilo, no seu terceiro mês de governo, ele demonstrou que não é um democrata, não é defensor da Lava-Jato, não era um verdadeiro apoiador das ideias de privatização e desestatização. A defesa da democracia foi jogada no lixo, ele já atacava o Judiciário e o Legislativo.
A proposta de reforma tributária do ministro Paulo Guedes não deixa espaço para incluir o ICMS e ISS. Como vai ser o diálogo e negociação em torno dessa reforma?
Não é exatamente uma reforma tributária, é um aumento de imposto. Isso é o que está sendo debatido. Gosto do Guedes e o respeito, porque temos 35 anos de amizade, mas eu não apoio qualquer iniciativa que signifique aumentar impostos. Bolsonaro prometeu que não faria isso. Em São Paulo, prometi que não faria isso e vou cumprir. Precisamos fazer uma reforma administrativa, reduzindo o tamanho do Estado, buscando investidores, desestatizando. O governo federal tem um bom ministro de Infraestrutura, por que Bolsonaro não se reúne com Guedes e Tarcísio de Freitas para colocar para frente essa iniciativa? Propostas como essa vão contar com nosso apoio, mas não as que visam aumentar impostos. A meu ver, encaminhar a reforma tributária e administrativa de forma concomitante seria uma boa medida do governo. Isso seria bem-visto pela opinião pública, pelo Congresso, pelo mercado e pela maioria dos governadores.
Qual é a posição do PSDB a respeito do imposto sobre transações eletrônicas?
Vamos analisar. Não vamos negativar algo que ainda não analisamos. Temos uma boa bancada no Congresso, e a análise será feita. Se não implicar em aumento de imposto e de carga tributária, análise será feita com um viés positivo. Se for para enganar o cidadão para impor uma carga tributária maior no setor de serviços, ou comércio, ou indústria, ou segmento econômico que repasse ao consumidor, a posição do PSDB não será favorável. Será favorável apenas a uma reforma administrativa séria, que enxugue a máquina pública. Por exemplo: por que manter os Correios como estatal? Não há nenhum problema de segurança nacional nisso. Precisamos de competição para melhorar a qualidade dos serviços, diminuir os custos e tirar esse peso estatal que hoje existe. Não é necessário, no mundo moderno, que os Correios sejam um monopólio do Estado. A meu ver, isso seria bem recebido por todos aqueles que têm uma postura liberal.
Há vacinas contra a covid-19 sendo testadas em São Paulo. Quando teremos a imunização para a população e como estão os testes?
Essa é a notícia da esperança. A CoronaVac, que é a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan e Sinovac Biotech, maior laboratório privado chinês, já está na fase três de testes, em parceria com universidades do país, incluindo a UnB, em Brasília. São nove mil voluntários, todos do setor de saúde. Não havendo nenhum fato grave nesta terceira fase, a vacina terá condições de ser produzida em novembro pelo Butantan. Já a partir de dezembro e janeiro, poderia ser disponibilizada não só para São Paulo, mas para todo o país. O Instituto Butantan é o maior produtor de vacinas do Hemisfério Sul. Tem uma capacidade de produção muito expressiva. Temos condições de produzir 60 milhões de doses da vacina. Estamos trabalhando para dobrar essa capacidade para 120 milhões e, se possível, avançar ainda mais, com novos investimentos com recursos privados. Já colocamos R$ 96 milhões em doações privadas para o Butantan, com o objetivo de aumentar ainda mais sua capacidade de produção. Quero dizer que também somos favoráveis à vacina de Oxford, que está sendo testada pela Fiocruz. Se ela for também aprovada, melhor. Não queremos politizar vacina, todos os brasileiros devem ter acesso à vacina. A vacina inglesa tem sido testada também, e se essas vacinas forem aprovadas, melhor. Essa é a esperança de todos nós.
O Congresso está discutindo um projeto de lei para regulamentar quem teria prioridade para receber a vacina. O senhor apoia um projeto como esse?
Já há um protocolo nesse sentido. Não há necessidade de um projeto no Congresso. É um protocolo mundial de saúde que tem sido seguido muito bem pelo Brasil. Nós acabamos de fazer a vacinação contra a gripe de 80 milhões de brasileiros, com produção integral pelo Butantan. De acordo com o protocolo, pessoas com comorbidades, pessoas de grupo de risco e aqueles do setor de saúde precisam ser vacinados com prioridade. Em seguida, temos os profissionais de segurança pública e a sequência por faixas etárias e áreas mais vulneráveis do país. É o mesmo protocolo que foi aplicado na H1N1 e também na vacina da gripe. É um protocolo mundial, e o Brasil sempre foi muito preciso nesse sentido.
O PSDB passou por dissabores envolvendo José Serra e Geraldo Alckmin, que tiveram de responder a inquéritos. Tivemos o caso também do secretário (de Transporte de São Paulo) Alexandre Baldy. Como o partido está se organizando em relação a isso?
Não há nenhum dissabor. Toda investigação deve correr, avançar e chegar ao seu resultado. O PSDB nunca objetou, nunca intimidou ou contestou investigações, elas devem prosseguir. Eu tenho confiança no ex-governador Geraldo Alckmin, no senador e ex-governador de São Paulo José Serra, assim como tenho no secretário Alexandre Baldy, que está de licença neste momento. Ele não faz parte do PSDB, mas pertence ao nosso governo. Vale mencionar, também, que não há nenhuma investigação em curso vinculada ao secretário Alexandre Baldy no âmbito do governo de São Paulo. Mas toda investigação deverá ser concluída, e eu espero que positivamente, tanto para Geraldo Alckmin como para José Serra e também Alexandre Baldy. O PSDB apoia as investigações sempre feitas com critério e justiça.
O PSDB está à frente da cidade de São Paulo, que é a maior do país. Esse tipo de investigação não causa um desgaste? Como isso vai ser trabalhado na campanha municipal?
Falando a verdade e expondo-a, assim como já fizemos. Já tivemos situações anteriores. O PSDB, a meu ver, fará um bom papel e terá um bom desempenho nas eleições municipais. Aqui no estado de São Paulo, eu posso assegurar isso, mas também percebo que em vários estados teremos também um desempenho muito bom e um crescimento na ocupação do Executivo e Legislativo municipal. Na cidade de São Paulo, tudo indica que Bruno Covas vai se reeleger. Não estou antecipando o resultado da eleição nem sendo desumilde, mas ele tem feito uma gestão muito criteriosa, muito cuidadosa e vinculada à vida da cidade, às suas necessidades, sobretudo em função dos mais pobres e daqueles que mais precisam. Construiu uma bagagem de apoio eleitoral grande como meu sucessor à frente da prefeitura. Estou confiante de que o PSDB ampliará sua posição nas eleições, agora, em novembro.
Será um ensaio para 2022, em que o senhor já é cogitado como candidato à Presidência? Tem a possibilidade, ainda, de tentar a reeleição no governo de São Paulo. Como está tratando essa questão?
Eu sou contra a reeleição. Já declarei minha posição contra a reeleição. Fiz isso quando disputei a prefeitura de São Paulo. Antes e depois de conquistar, eu já dizia que não seria candidato à reeleição. E também não serei candidato à reeleição no governo em nenhuma hipótese. Defendo, futuramente, uma mudança no sistema político, com mandato de cinco anos e sem reeleição. Mas o ano de 2022 está muito longe. Nossa prioridade, agora, é vencer o coronavírus, proteger as pessoas, preservar vidas e, na sequência, temos a recuperação econômica. Até 2022, é uma eternidade.
Muitos dizem que o presidente Jair Bolsonaro estará no segundo turno das eleições de 2022. O senhor acredita que ele teria seu apoio ou do PSDB se o centro não conseguir romper essa polarização entre PT e Bolsonaro?
Não é uma decisão isolada ou minha, como governador de São Paulo. É do partido e sua direção nacional, sob o comando firme, consistente e tranquilo do ex-ministro Bruno Araújo. Haverá um momento para discussões nesse sentido. Mas, agora, não é um ato responsável de nenhum governador de qualquer partido, de nenhum prefeito, discutir eleições em 2022. Talvez, o presidente Bolsonaro, um pouco mais afoito, tenha o desejo de antecipar o processo eleitoral. Se o fizer, seria um erro. Ele tem de governar, acima de tudo, fazer o que não fez: liderar o Brasil contra o coronavírus. Ele foi omisso, foi distante, negativista, deu mau exemplo ao Brasil e ao mundo. Aliás, a imagem do país, internacionalmente, é a pior possível. Nunca tivemos uma imagem tão ruim quanto estamos tendo agora, seja no plano político, seja no econômico, ambiental e da democracia. Não é hora de discutir eleição presidencial. (Colaborou Israel Medeiros, estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa)
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