Nos seis primeiros anos de vida se formam aproximadamente 90% das conexões cerebrais. Estudos destacam que o desenvolvimento cerebral nessa fase acontece a uma velocidade extraordinária: um milhão de conexões entre neurônios por segundo e as experiências na primeira infância são capazes de alterar a estrutura e o funcionamento saudável do cérebro, com efeitos por toda a vida. Portanto, é preciso estimular, nutrir e proteger o potencial incrível da criança em se desenvolver e aprender. É imprescindível conhecermos como anda o desenvolvimento e o aprendizado dos pequeninos no Brasil. A aplicação de políticas oficiais pela rede pública de ensino está adequada? E os resultados dos programas? O que se sabe sobre a qualidade da educação neste universo?
Com a preocupação e o cuidado de quem atua há mais de 70 anos em prol do desenvolvimento humano com qualidade, em 23 países, a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI) realizou, no mês de agosto, a primeira edição do “Diálogos Sobre a Primeira Infância”. O encontro reuniu pesquisadores, gestores públicos e representantes da sociedade civil para debater sobre a primeira infância, discutindo temas como qualidade da Educação Infantil e Investimento, Avaliação e Monitoramento das políticas públicas. Na oportunidade, foi lançado também o projeto “Primeiros Anos”, uma pesquisa sobre o acesso e a qualidade na Educação Infantil.
"Não é possível pensar em projetos ousados e boas práticas para uma área tão necessária do ponto de vista de investimento e de atenção prioritária, se não for de forma coordenada, coletiva, conjunta. O objetivo do encontro foi, exatamente, ouvir e compartilhar experiências, para se construir alternativas aos desafios que estão postos, agravados pelo momento da pandemia" Raphael Callou, diretor e chefe da Representação da OEI Brasil.
Foco na primeira infância
Segundo o diretor da OEI, a pesquisa lançada iniciará a fase de coleta de campo em setembro e será concluída já em dezembro deste ano. Ele espera que o organismo internacional possa encaminhar os resultados como contribuição para a reflexão e atuação dos entes envolvidos. “Um primeiro passo para o desenho de novas políticas públicas, melhorar as existentes, é a gente saber identificar qual é a real situação no cenário nacional”, afirmou o ministro da Cidadania, Ronaldo Vieira Bento, presente no evento. “Um projeto que visa um olhar mais apurado, um diagnóstico da situação da atenção à primeira infância, da educação infantil no nosso país, é muito bem-vindo”, salientou.
O uso da pesquisa da OEI como subsídio para “uma política integrada”, pelas diversas áreas governamentais que afetam a primeira infância, foi endossado pela secretária-executiva adjunta do Ministério da Educação, Sylvia Gouveia. Destacando a parceria do MEC com a OEI, Gouveia falou sobre a importância da iniciativa. “Esse projeto trata de um período crucial para o desenvolvimento humano. Sabemos que é na primeira infância que a criança possui uma capacidade ampla de assimilar conhecimentos e desenvolver habilidades socioemocionais, educativas, de linguagem e cognitivas. Toda a atenção que se dá à primeira infância, a longo prazo, se reflete na ampliação e na garantia do pleno desenvolvimento do potencial de cada indivíduo. Por outro lado, a atenção que não se dá nesse período, pode gerar sérios comprometimentos”, disse.
A secretária ainda falou sobre programas do MEC para Educação Infantil, “que sofreu, drasticamente, com a pandemia da Covid-19”, reduzindo matrículas. E destacou: “direito à educação passa pelo acesso, permanência, trajetória regular e aprendizagem, o propósito precípuo do Estado brasileiro”.
Criança, sujeito de direitos
A desatenção e a falta de investimentos na Educação Infantil, segundo estudos, causam danos ao indivíduo e são colaterais à sociedade, às vezes, de forma imensurável. Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência, evasão do ensino médio, maiores custos com saúde e baixos índices de produtividade no mercado de trabalho.
“Cada dólar gasto com uma criança pequena trará um retorno anual de mais de 14 centavos, durante toda a sua vida. É um dos melhores investimentos, eficiente e seguro, melhor do que apostar no mercado de ações americano,” diz Luciana Siqueira, secretária nacional de Atenção à Primeira Infância do Ministério da Cidadania, lembrando dos importantes achados do economista James Heckman. Destacando os potenciais de desenvolvimento cerebral, ela enfatizou a necessidade de investimentos “no alicerce” dos brasileiros.
“É uma etapa curta, breve e muito significativa na vida das crianças, que precisam ter oportunidades”, afirmou Myriam Sartori, diretora de Políticas e Diretrizes da Educação Básica do MEC. Também em defesa de um olhar do Estado para o desenvolvimento da criança de zero a cinco anos, Sartori salientou que é preciso investir porque “a criança é um sujeito de direitos e a gente precisa garantir que esses direitos sejam entregues, cumpridos”.
“Como é estranho a gente ter que justificar que é importante investir na educação infantil! Parece tão óbvio. O real seria perguntar: por que não investir?”, questionou Ivania Ghesti, analista judiciária na Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça, instituição responsável por coordenar as ações do Pacto Nacional pela Primeira Infância.
Monitoramento e qualidade
Mauro Luiz Rabelo, secretário de Educação Básica do MEC, disse que chegou a 94% o atendimento de crianças na faixa etária da pré-escola pela rede pública, em 2019. Percentual que caiu a menos de 85% com a pandemia. O secretário também salientou que o governo desembolsou R$ 99 milhões para a manutenção do setor, no primeiro semestre deste ano. “Com todos os avanços, já estava na hora de o governo voltar-se para a melhoria da qualidade da educação infantil”, afirmou, ao destacar que “o acesso continua sendo um desafio”.
Para o especialista Vital Didonet, mensurar a qualidade da Educação Infantil exige um “esforço de aproximação teórica, conceitual e prática”. Para ele, isso irá gerar parâmetros para que não se perca na subjetividade. “Há uma dimensão política, e é fundamental que qualidade e expansão caminhem de mãos dadas, de forma indissociável”.
A especialista Zilma de Oliveira destacou a interseccionalidade dos serviços de atendimento que serão abordados pela pesquisa, e chamou a atenção para uma “metodologia holística, de avaliar a avaliação”. Lembrou que os direitos de aprendizagem para a primeira infância são os de aprender a brincar, a participar, a expressar, a conviver e explorar.
A pesquisa
O diretor da OEI, Raphael Callou, informou que o Projeto Primeiros Anos terá três frentes: a pesquisa, ações de formação e a elaboração do Selo OEI. A pesquisa terá como base quatro eixos: pedagógico, gestão, infraestrutura e desenvolvimento infantil.
O estudo terá uma etapa de análises quantitativas de informações de variadas bases de dados disponíveis no país, como Censo Escolar, IBGE e Observatório da Criança e do Adolescente. Depois, a coleta de dados primários em unidades escolares, para amostra baseada na identificação in loco de condições da Educação Infantil nas redes públicas municipais, abarcando as cinco regiões do Brasil.
“A gente vive num país permeado por muitos níveis de desigualdades, e o primeiro nível de desigualdade que a gente enfrenta no âmbito educativo é justo na primeira infância. Uma desigualdade no acesso, na qualidade, e que tem diversas ramificações incorporadas dentro dessa etapa da educação”, concluiu o diretor da OEI.