Diretrizes de tratamento para mieloma múltiplo podem ser atualizadas no SUS

Por meio da consulta pública aberta pela Conitec, população poderá contribuir para a revisão das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do câncer hematológico

No final do mês de maio, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) abriu uma consulta pública acerca da atualização das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) do mieloma múltiplo, o segundo tipo de câncer sanguíneo mais frequente no mundo. Apesar de ser considerado raro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou mais de 176 mil novos casos em 2020. No Brasil, entre 2008 e 2017, 27.100 pessoas com o diagnóstico foram atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados do Observatório da Oncologia.

O mieloma afeta o sistema hematológico, atingindo as células responsáveis pela produção de anticorpos, conhecidas como plasmócitos. Quando sofrem mutações, tornam-se malignas e se multiplicam de forma descontrolada, gerando o seu acúmulo na medula óssea e comprometendo a produção das outras células do sangue. Os plasmócitos malignos produzem uma proteína anormal, chamada de proteína monoclonal.

Em vez de exercer a função normal, os plasmócitos alterados causam prejuízos significativos à saúde do indivíduo. Com o avanço dessa multiplicação desordenada das células anormais, os pacientes costumam sentir incômodos como sinais de alerta. O primeiro deles é a dor na lombar que, por ser genérica, às vezes não é associada à patologia. Além disso, outros problemas surgem em decorrência do câncer que, por essa razão, é caracterizado como “múltiplo”.

“O paciente pode começar a apresentar anemia, por conta dessa proliferação do plasmócito na medula óssea. Ele pode causar uma insuficiência renal em 30% a 40% das pessoas. O anticorpo doente é filtrado pelo rim, causando um processo inflamatório. Decorrente disso, é comum que muitos pacientes enfrentem uma insuficiência renal, precisando, às vezes, até mesmo de uma diálise”, explica Angelo Maiolino, médico coordenador de Hematologia no Americas Centro de Oncologia Integrado.

- Angelo Maiolino, médico coordenador de Hematologia no Americas Centro de Oncologia Integrado.

Além do dano gerado nos rins, é comum que o mieloma desencadeie lesões ósseas frequentes, levando a fraturas constantes por ocorrer o enfraquecimento do osso. Os pacientes também costumam estar mais suscetíveis a processos infecciosos, visto que não há o funcionamento adequado do sistema de defesa.

Por apresentar uma grande carga de sintomas, o mieloma múltiplo compromete a qualidade de vida dos pacientes desde o início da doença. Em atenção à saúde desses indivíduos, a proposta de atualização das DDT foi apresentada em 2022. Para Maiolino, essa revisão é fundamental, visto que a última foi realizada apenas em 2015.

Na prática, a DDT não é uma regra absoluta do que deve ser utilizado no SUS, entretanto é uma orientação quanto ao tratamento. Por essa razão, é necessário que os medicamentos e exames disponíveis no Brasil estejam presentes na documentação, assim como as novas possibilidades de fármacos. Desta forma, o paciente possui acesso a variedade de cuidados que são relacionados à enfermidade.

No que diz respeito à consulta pública, Maiolino explica que a ação é importante, visto que a comunidade médica, os pacientes e a sociedade como um todo podem se manifestar com relação ao assunto. O médico ainda pontua que o mieloma é um dos tipos de câncer onde, nos últimos anos, houve a maior evolução em termos de novos medicamentos.

“Ainda que a gente entenda que a DDT não é uma determinação específica, ela é uma diretriz. Então, é muito importante que isso esteja neste guia. Por isso, a Conitec e o Ministério da Saúde abrem a consulta pública. O momento é esse. Depois, quando for publicado, quem sabe quando vai ter um novo? É difícil, um processo moroso, mas a renovação tem que ser feita em uma periodicidade menor para atender o progresso do tratamento”, informa.

A consulta pública fica aberta até o dia 15 de junho de 2022 e pode receber recomendações de qualquer adulto acima de 18 anos por meio do site:
https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-conitec-sctie-n-34-2022-pcdt-mieloma-multiplo.

Outras informações sobre a doença

Segundo dados da International Myeloma Foudation (IMF), cerca de 29% dos pacientes levaram mais de um ano para receber o diagnóstico de mieloma múltiplo. 20% tiveram o diagnóstico inconclusivo e 37% passaram por mais de três médicos para, enfim, serem diagnosticados. A estimativa é que sejam identificados 7.600 mil novos casos por ano no Brasil.

Ainda que haja a incidência no número de diagnósticos positivos, a causa da anomalia hematológica se mantém desconhecida. Alguns cânceres possuem relação direta com fatores externos. O melanoma, por exemplo, possui grande influência da exposição solar, assim como o câncer de mama (BRCA +) possui o componente familiar como grupo de risco. Contudo, não são todos os tipos de câncer que possuem relações ambientais ou genéticas bem estabelecidas.

"O mieloma não tem uma causa clara. Não é genético, mas a gente sabe que famílias que têm esse tipo de câncer têm uma propensão maior a tê-lo. Também existem situações que propiciam, como exposição a certos agentes químicos e radiação. Há teorias desse tipo, mas não há uma comprovação clara", esclarece Maiolino.

Matéria escrita pela jornalista Gabriella Collodetti