A expressão é nova, mas tem ganhado força no enfrentamento à pandemia da Covid-19. O fato é que a telessaúde – nomenclatura que engloba as consultas online com médicos, psicólogos, fisioterapeutas, dentistas, entre outros – enfim veio para ficar. Isso porque viabilizou, em plena guerra sanitária dos profissionais da saúde contra o coronavírus, a manutenção do cuidado preventivo e o diagnóstico precoce de doenças. Entre fevereiro de 2020 a janeiro de 2021, foram realizadas 2,6 milhões de consultas à distância, conforme dados da Federação Nacional de Saúde Suplementar – a FenaSaúde, com quem o Correio Braziliense conversou na tarde do último dia 27 de abril.
O bate-papo com a diretora executiva da Federação, Vera Valente, foi conduzido pelo editor-executivo do Correio Braziliense, Vicente Nunes, e revelou os números expressivos advindos do grande avanço da modalidade. A conversa serviu para expor os vários benefícios para a população e o contexto de todos os atores envolvidos na execução dessa ferramenta, bem como trouxe a necessidade urgente de ser feita a regulamentação definitiva dessa modalidade.
A conversa ao vivo mostrou que o sucesso da nova prática já pode ser medido, uma vez que apresenta índice de satisfação dos usuários de 75 a 94% e alta resolutividade de casos, no nível de 80%, conforme dados apresentados pela diretora da FenaSaúde.
Dados consideráveis, uma vez que a federação, composta pelas 15 maiores operadoras de saúde do país, representa um contingente de beneficiários correspondente a 40% do mercado dos usuários de planos e seguros de saúde e odontológicos – ou seja, mais de 30 milhões de pessoas.
O sucesso da telessaúde no Brasil reproduz os resultados que essa modalidade alcançou em outros países. Nos Estados Unidos, pelo menos 60% das instituições de saúde praticam algum tipo de telemedicina. Portugal, Dinamarca e Reino Unido, por exemplo, também utilizam as consultas online.
TELESSAÚDE COMO FERRAMENTA DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO A SERVIÇOS MÉDICOS
Ao longo do encontro, Vera Valente explicou que a prática ganhou espaço ao possibilitar que a população continuasse tendo atendimento e que o fluxo dos pacientes nos consultórios e clínicas não se perdesse por completo com as medidas mais restritivas da pandemia. “Pacientes crônicos conseguiram continuar seus tratamentos. Pessoas receosas deram o primeiro passo para tratamentos de urgência e tiveram acesso às orientações de que precisavam. Isso agradou e muito aos adeptos da nova ferramenta.”
A prática já se consolidou como mais uma ferramenta para os profissionais da saúde. A telessaúde é mais uma opção, uma aliada, a se somar às demais modalidades já praticadas na saúde, sobretudo o atendimento presencial. “Sempre importante lembrar que o médico tem todo o poder. É ele quem vai decidir se o paciente deverá recorrer a uma unidade de saúde para continuidade de um tratamento de forma presencial”, detalhou Valente.
Outro importante benefício da nova prática é a possibilidade de atuação médica com mais capilaridade e democratização de acesso num território tão grande como o do Brasil. Mais de 50% dos médicos do país estão atuando no Sudeste do país, enquanto na região Norte estão apenas 4,6%. Para ter uma ideia dessa distribuição desigual, para cada 1 mil habitantes, o Distrito Federal tem cinco vezes o número de médicos do Acre, Amapá ou Pará.
“Num país onde a distribuição geográfica dos médicos não é homogênea, podemos falar que a telessaúde vem como uma das ferramentas de democratização do acesso à saúde. Não é uma solução por si só, porém é mais uma solução para ampliar e difundir o acesso à saúde”, defendeu a diretora executiva da FenaSaúde.
FERRAMENTA DE ESTÍMULO À PREVENÇÃO E AUMENTO DE QUALIDADE DE VIDA
Ao longo da conversa, também foi destacada a telessaúde como forte instrumento de prevenção. “No Brasil, ainda se tem a cultura de recorrer aos hospitais no surgimento de sintomas de todas as gravidades. E esse modelo é ruim, porque a ida ao hospital traz riscos de outras contaminações e é um recurso caro. Com a popularização do sistema de telessaúde, podemos desafogar essas unidades de saúde e deixar os hospitais de fato para quem precisa, para os atendimentos mais complexos – não só durante a pandemia, mas depois também”, argumentou Vera Valente.
É o que valida Erno Harzheim, ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Ele também foi secretário de Saúde de Porto Alegre – uma das cidades pioneiras no país no uso da telessaúde no SUS: “Conseguimos reduzir a lista de espera por atendimentos na cidade em 60%, com a definição de critérios de gravidade, ordenando a fila de maneira inteligente e usando a telemedicina para atender à distância e fortalecer a clínica na Atenção Primária à Saúde”.
A constatação da telessaúde como instrumento de prevenção é uma tônica na comunidade médica: “A telemedicina consegue uma coisa que a consulta convencional não consegue. Quando o paciente vem até o meu consultório, eu só enxergo a realidade dele dentro da minha sala. Mas se eu faço uma teleconsulta, posso conhecer a moradia dessa pessoa e o contexto das condições de vida dele”, comenta Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos principais especialistas em telemedicina do país.
Vera ainda destacou que o acesso ao profissional de saúde por meio do uso de plataformas tecnológicas interativas facilita o esclarecimento de dúvidas dos pacientes em casos de emergência e permite uma primeira avaliação sobre a necessidade de atendimento presencial. “O uso racional dos recursos vai muito além dos números. Está também na eficiência do atendimento e no cuidado da relação profissional-paciente. É estar presente quando e onde for necessário. É preservar a vida.”
Apesar dos excelentes números alcançados em pouco tempo, o direito da população brasileira à telessaúde ainda não está garantido. “Havia uma normatização precária que vinha sendo discutida nos últimos anos. Com a chegada do novo coronavírus, o uso da telemedicina foi autorizado em caráter emergencial, mas apenas durante a pandemia”, explica a diretora executiva da FenaSaúde. Agora, para que essa nova modalidade de atendimento seja preservada e assegurada, faz-se necessária sua regulamentação definitiva para que ela se torne permanente.
“O desafio agora segue em como se regulamentar a telessaúde, pois, com o término da pandemia, encerra-se esse marco legal que hoje permite aos profissionais prestarem atendimento nesta modalidade. Precisamos de uma regulamentação que seja abrangente, para não impedir os avanços inerentes à tecnologia, e que traga segurança a todos os atores envolvidos neste processo: médicos, operadoras de saúde e, claro, pacientes.”
“TODAS ESSAS CONQUISTAS AINDA NÃO ESTÃO GARANTIDAS NO BRASIL. É PRECISO PROMOVER A REGULAMENTAÇÃO DEFINITIVA DESSA MODALIDADE E ASSEGURAR A OFERTA DE TELESSAÚDE PARA OS BRASILEIROS.”
No Congresso Nacional, a regulamentação da telemedicina está sendo discutida por uma frente parlamentar mista, presidida pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP). “O objetivo da Frente Parlamentar é aprofundar o diálogo entre o Parlamento e a sociedade acerca da nova prática e discutir as preocupações de todos os envolvidos no processo, como remuneração, territorialidade e a primeira consulta”, explicou a deputada em seminário da frente realizado no último dia 16 de março.
Esses pontos têm sido analisados por todos os envolvidos no setor. A FenaSaúde defende que médicos e pacientes têm autonomia para definir se a primeira consulta será presencial ou remota, caso a caso. O profissional de saúde sabe se o caso a ser tratado precisa de atendimento presencial ou se pode ser avaliado remotamente para que se tenha o melhor diagnóstico e tratamento. Os números mostram isso: 60% das teleconsultas realizadas foram para urgências, segundo o levantamento da FenaSaúde. Outro dado relevante nesse sentido é que 80% dos pacientes tiveram seu caso solucionado virtualmente.
A FenaSaúde defende também a permissão para que profissionais atendam pacientes independentemente da unidade da Federação em que estiverem – e do respectivo conselho profissional regional a que estiverem vinculados. Essa medida ajuda a garantir o atendimento em cidades pequenas ou regiões mais afastadas, onde nem todas as especialidades médicas estão disponíveis ou o médico mais próximo está a vários quilômetros de distância.
Na visão da especialista, a pandemia acelerou um movimento que viria de forma natural de abertura e adequação ao ambiente virtual como porta de entrada para a saúde. “Diante da persistência do cenário de isolamento social e pessoas cada vez mais conectadas, que prezam pela agilidade, pela segurança e personalização do cuidado, o uso da telessaúde precisa ser irreversível. Afinal, ela é a união do melhor atendimento de saúde que pode ser oferecido com a melhor, mais segura e mais interativa tecnologia disponível”, pontou a especialista.
Com o apelo pela regulamentação da modalidade, a FenaSaúde lançou a campanha “Telessaúde: Mais Saúde para o Brasil”. A iniciativa conta com uma série de ações de comunicação, incluindo uma página na internet (telessaude.fenasaude.org.br) com o objetivo de ampliar a discussão sobre a importância da telessaúde e garantir que a modalidade tenha uma regulamentação definitiva, diminuindo a desigualdade no acesso à saúde.
A FenaSaúde lançou um site exclusivo com informações (telessaude.fenasaude.org.br) com o objetivo de ampliar a discussão sobre a importância da telessaúde e garantir que a modalidade tenha uma regulamentação definitiva, diminuindo a desigualdade no acesso à saúde.
Para quem ficou curioso e quer conferir mais, a conversa segue disponível na íntegra aqui.