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Religião

Visão do Correio: Um papado pela união dos povos

O legado deixado por Francisco foi construído também por passagens e atuações marcantes na região com o maior número de católicos do mundo

Primeiro latino-americano a se tornar papa, Jorge Mario Bergoglio liderou a Igreja Católica sem esquecer das origens. O legado deixado por Francisco — de tolerância, cuidado com o planeta e com as pessoas e atenção aos dilemas da modernidade — foi construído também por passagens e atuações marcantes na região com o maior número de católicos do mundo. 

A primeira viagem internacional, aliás, teve o Brasil como destino — em julho de 2013, cerca de 100 dias depois de ser alçado à pontífice — para participar da Jornada Mundial da Juventude. Ao visitar a favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, Francisco deu sinais do que ensinaria ao longo dos 12 anos de papado: "Se pode colocar mais água no feijão? Sempre! E vocês fazem isso com amor, mostrando que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração", disse em um palco montado num campinho de várzea. 

Nessa empreitada pelo coletivo, Francisco inovou. Trouxe a crise climática para a pauta da Igreja, com o tom de liderança política que também lhe era característico. Em 2015, publicou a primeira encíclica dedicada ao tema. A carta, uma espécie de orientação aos bispos sobre questões de interesse da Igreja, foi lançada às vésperas do Acordo de Paris, um momento-chave para a questão ambiental, quando foram definidos os parâmetros da resposta global às mudanças climáticas. 

Francisco fazia questão de dizer que a encíclica não era apenas "verde" — "Cuidar do ambiente significa uma atitude de ecologia humana, a ecologia é total, é humana"— e que era preciso incluir os povos indígenas nesse processo — "Ignorar as comunidades originárias na salvaguarda da Terra é um grave erro, é o funcionalismo extrativista, para não dizer uma grande injustiça".  Três dias antes de ser internado com problemas respiratórios, no mês passado, escreveu aos brasileiros lembrando que a COP30, em novembro, no Pará, poderá ser decisiva nesse contexto. Também conclamou nações e organismos internacionais a se comprometerem de fato "com práticas que ajudem na superação da crise climática".

Falava-se em uma possível participação do pontífice na conferência do clima — uma expectativa alimentada pela amizade com o presidente Lula —, apesar das suas limitações de saúde já mais evidentes. Era certo, contudo, que Francisco estava atento ao que se desenrolava no país com mais católicos no mundo. Um dia após a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, ele mostrou-se preocupado com a "exacerbada" polarização política no Brasil. Na avaliação do pontífice, um sinal de "enfraquecimento da democracia (...) que não ajuda a resolver os problemas urgentes do cidadão".

A defesa do diálogo e da união é, sem dúvidas, marca do papado de Francisco. Em Manguinhos, o pontífice também visitou uma igreja evangélica, evidenciando a importância da harmonia inter-religiosa. Dois anos depois, desembarcou na Colômbia para ajudar o país "a seguir adiante em seu caminho pela paz" — ele ajudou a mediar as negociações entre o governo e as Farcs. Não seria diferente na última mensagem ao mundo. No domingo, em meio às celebrações de Páscoa e diante de uma Praça de São Pedo emocionada com sua persistência em evangelizar, o revolucionário jesuíta lembrou, mais uma vez, que "a paz é possível". Assim seja.

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